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Você não quer saber disso

25 de fevereiro de 2015
Postado por André Portugal

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A vitória da escola de samba Beija-Flor e o suposto patrocínio do presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang (que eu sempre leio “Obi-Wan” por causa de “Star Wars”) reacendeu o debate sobre hipocrisia e criminalidade no carnaval carioca. Jornais do Brasil e do mundo, redes sociais, mesas de bar e rodas de samba comentavam sobre algo que não é nenhuma novidade, mas que dessa vez parecia ter passado um pouco do limite da nossa moral seletiva. O assunto se esvaiu e quase ninguém está se importando. Por quê?

Em primeiro lugar, não nos afeta diretamente.

Olhe para o seu umbiguinho nesse exato momento e me diga se o dinheiro que vem de bingos clandestinos está fazendo cócegas nele. Não somos Beto Jamaica nem Compadre Washington (a menos que um de vocês dois esteja lendo esse texto agora), mas adoramos mesmo é um umbiguinho. Nesse caso, o nosso mesmo e tudo que está ao redor dele. Esquecemos com mais facilidade de coisas que não o colocam em risco e tudo que não é arriscado pode ser ignorado mole, mole.

Em segundo lugar, não estamos a fim.

A verdade é que o mundo é um lugar escroto, sempre foi. Parte dessa sujeirada toda a gente simplesmente aceita ou finge que não vê. É claro que temos um círculo de influência pequeno – não dá pra salvar a Terra Média todo dia e existe um limite de verdades que podemos suportar -, mas eu olho bem torto pra quem acredita nas versões oficiais de todas as coisas.

Falsa ingenuidade é igual se fingir de morto; qualquer cachorro é capaz de fazer.

Será? Se você mente pra tia no Natal sobre as namoradas, imagina o que pagam pra te falar sobre o tráfico de drogas por aí? Droga dá dinheiro, minha gente. Dinheiro dá poder e manda quem tem poder. Não vamos fingir que dando tiro em traficante na favela isso vai mudar, porque quem manda no bagulho tá bem longe do morro. Essa é só mais uma história mal contada que a gente comprou.

E em 2013? Você acreditou naquele jornal que apontou quem era vândalo nas manifestações porque é muito melhor fingir um mundo onde a mídia não mente (seja por interesse, seja por ser medrosa igual a você) e onde um Estado não coloca civis contra civis só pra que não estraguem o bundalelê que rola com o seu dinheiro.

Eu também não sei te dizer se o meu celular ou o açúcar que tá dando formiga ali na pia foram produzidos em condições mínimas ambientais e de trabalho. Eu não sei dizer se o mijo que eu dei no banheiro vai pro céu dos mijos descansar em paz. Eu quero acreditar que o emissário submarino funciona e que ele não volta pra mim no arpoador e nem pra você quando está lá, mesmo eu me considerando relativamente consciente. Você entende?

A justiça não é a lei da natureza, é uma invenção dos homens.

Os problemas do mundo são como louça suja: não importa de quem seja, alguém tem que lavar ou a parada vai ficar lá dando mosca. O mais importante de tudo é ter consciência de que as vezes não olhamos pra pia porque não queremos ou damos uma olhadinha “fake” só pra não ficar feio, e não porque somos nobres. Isso é tão natural quanto cruel. Se um dia a humanidade for mais legal do que somos, tenho certeza de que o primeiro passo terá sido encarar essa realidade, sem desculpinha. Somos Deus e o Diabo na Terra do Sol.

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