O tratamento de esgoto envolve muitas etapas e alto custo no mundo todo. No Brasil, é feita a retirada de resíduos sólidos do esgoto por barreiras, em seguida, o encaminhamento para aterros sanitários, gerando 50% do gasto das estações de tratamento.
Isso quando existe um sistema de saneamento eficiente. Por aqui, esgoto de 45% da população não recebe qualquer tratamento. Segundo artigo do jornal O Globo, “universalizar o serviço no país vai requerer R$ 150 bilhões”.
Infelizmente, pessoas vivendo com esgotos a céu aberto, rios poluídos, e sem saneamento básico ainda é uma realidade no nosso país e no mundo. No entanto, pessoas preocupadas com a saúde e sustentabilidade continuam na busca por alternativas para salvar o planeta.
Foi pensando nisso que um grupo de cientistas desenvolveu tijolos feitos de evacuações humanas, sim, xixi e cocô! É uma alternativa sustentável para a construção civil diminuindo custos de manutenção em estações de tratamento, combate o desmatamento direcionado para aterros e dá um destino viável para esses dejetos.
Sustentabilidade na construção
Composição dos materiais
Antes de tudo, é preciso esclarecer que esses materiais não são criados a partir do que acabou de ser evacuado no banheiro. O insumo utilizado para compor os tijolos, são na verdade provenientes de:
- sedimento do esgoto tratado, conhecido como biossólidos, e argila;
- urina, areia e bactérias;
- cinzas restantes da incineração de lixo e esgoto combinada com dióxido de carbono, água, areia e mínima quantidade de cimento.
Biossólidos.
Tijolos de biossólido e argila
Um estudo realizado por pesquisadores do Instituto Real de Tecnologia da Universidade de Melbourne, na Austrália, descobriu a possibilidade de desenvolver materiais para construção sustentáveis transformando dejetos humanos em tijolos.
Na pesquisa, publicada pela revista Buildings, os cientistas afirmam a possibilidade da confecção desses tijolos, usando 25% de biossólidos, e o restante de argila tradicional.
Tijolos feitos de biossólidos
Tijolos de urina e bactérias (biotijolos)
Na África do Sul, estudantes conseguiram criar tijolos a partir de urina, areia e bactérias que permitem a solidificação do material em temperatura ambiente. Segundo Dyllon Randall, o supervisor do estudo desenvolvido pelos alunos na Universidade do Cabo, o processo é semelhante a um já existente na natureza:
“Quanto mais tempo você permitir que as bactérias produzam o cimento, mais forte será o produto. É essencialmente a mesma forma como corais se formam no oceano”, diz o supervisor.
Além da sustentabilidade, os biotijolos, como são chamados, podem ter sua rigidez e tamanho alterados conforme necessário. Randall contou em entrevista à BBC que no início do processo conseguiram atingir a mesma rigidez de um tijolo formado por 40% de calcário.
Em poucos meses foi possível dobrar essa rigidez, tudo sem utilizar nenhuma forma de calor artificial, muito diferente dos tijolos tradicionais, que são produzidos em fornos a cerca de 1.400ºC.
Biotijolos criados a partir de urina, areia e bactérias.
Tijolos a partir de cinzas de lixo incinerado
Há alguns dias em Londres um acordo foi assinado liberando a utilização de resíduos de esgoto para a criação de materiais que vão ajudar a construir novas casas.
A Thames Water, maior companhia de saneamento de água e esgoto no Reino Unido, foi responsável por encontrar outra forma de usar o esgoto, dessa vez dos londrinos, na criação de tijolos pesados, junto com carbono negativo.
Os resíduos já são utilizados pela empresa para produção de energia renovável. O esgoto é drenado e seus sólidos restantes são torrados em incineradores de lixo, produzindo essa energia. A questão até o momento era o que fazer com as cinzas restantes: tijolos, claro!
Tijolos desenvolvidos a partir de resíduos do esgoto de Londres.
Vantagens da produção de tijolos sustentáveis
Mesmo em pequena quantidade nos tijolos, a produção reduz os biossólidos que seriam encaminhados para aterros; a confecção dos tijolos a partir desse sedimento evita a produção do gás metano, um dos maiores causadores do efeito estufa.
Os protótipos utilizados na pesquisa foram testados e comparados a tradicionais materiais de construção. Constatou-se que os tijolos de dejetos humanos são resistentes e estão em conformidade com rigorosos regulamentos globais de construção.
Isso torna o início da utilização desses materiais nas olarias apenas uma questão de tempo. A produção dos tijolos de biossólidos ainda tem menor custo e utiliza menos energia e calor que os outros materiais, melhorando o custo final do produto, tendo valor inferior ao tijolo normal.
Tijolos mais porosos, auxiliando na redução da condutividade térmica.
Além do que foi citado anteriormente, os processos de dragagem para coleta de areia e argila têm grande impacto prejudicial ao meio ambiente, causando danos à fauna e ecossistemas.
Ao adicionar esse material na produção de tijolos, a quantidade de argila e areia usada para a construção seria reduzida. O uso do biossólido pouparia mais de 3 milhões de metros cúbicos de terra argilosa desenterrada para a produção de 1,5 trilhão de tijolos todos os anos.
O pesquisador-chefe do estudo, Abbas Mohajerani, afirma ainda que devido a porosidade dos tijolos de fezes humanas, edifícios com menor condutividade térmica podem ser construídos, diminuindo a necessidade de ventiladores e ares-condicionados.
“É uma proposta prática e sustentável para reciclar biossólidos atualmente armazenados ou aterrados em todo o mundo”, afirma Mohajerani.
O cientista Abbas Mohajerani, com tijolos feitos a partir de biossólidos.
Já os biotijolos são provavelmente os tijolos mais baratos. Ainda assim, mesmo que sua produção seja totalmente sustentável, evitando grande consumo de água, energia e trabalhando apenas por meio da produção de enzimas pelas bactérias, é necessário o equivalente a 25 litros de urina para produzir 1 biotijolo.
Segundo o estudo feito pela Universidade do Cabo, para fazer um único tijolo, precisaríamos ir ao banheiro 100 vezes. Mas para Dyllon Randall é apenas questão de tempo para encontrar uma solução viável para melhorar os resultados, e no futuro, inseri-lo ao mercado.
Biotijolo feito com urina em laboratório.
Enquanto os tijolos produzidos a partir de excrementos humanos em Londres terão sua produção iniciada ainda neste ano. De acordo com o fornecimento da Thames Water, 18 mil toneladas deverão de tijolos deverão ser produzidos a cada ano, cada um pesando cerca de 17 kg.
O chefe de tratamento de águas residuais da Thames Water, Nigel Watts, mostrou-se otimista em entrevista para o site da própria companhia:
“Estamos transformando toneladas de resíduos do nosso processo de tratamento de esgoto em um produto útil, que pode ser usado na construção de várias maneiras. Estamos sempre buscando formas alternativas e mais sustentáveis de descartar resíduos que evitem aterros e isso é uma notícia fantástica para nossos clientes“.
Ainda segundo Watts, a produção desses tijolos proporcionará menores valores ao mercado, contribuindo para a economia do Reino Unido, e trabalhando para utilizar medidas sustentáveis.
E aí, Brasil, que tal testar alguma ideia parecida?