
Relatos de ex-atrizes mostra o lado sombrio da indústria pornográfica
Espancamento, sufocamento e ferimentos graves. Essas são algumas das violências relatadas por ex-atrizes pornôs em seus trabalhos.
Nas últimas semanas, relatos de experiências dolorosas e traumatizantes de atrizes que atuaram em produções pornôs ascenderam o debate sobre o movimento antipornografia nas redes sociais.
Antes de tudo, é importante frisar que a antipornografia nada tem a ver com movimentos moralistas e religiosos, nem com o “No Fap” (algo como “anti-masturbação”), fórum que serve como grupo de apoio para homens que desejam evitar a pornografia e a masturbação – falamos mais sobre isso aqui.
A antipornografia é, na verdade, pauta do movimento feminista. As informações foram divulgadas pela revista QG Feminista a partir de depoimentos reunidos no site da Shelley Lubben, uma ex-atriz de filmes pornográficos que criou a fundação Pink Cross para ajudar outras atrizes vítimas de traumas.
Segundo a revista, tanto o site de Lubben, que morreu no início deste ano com 50 anos de idade, como o da Fundação Pink Cross tiveram quase todas as informações que continham retiradas do ar, sendo que alguns depoimentos retirados dos sites ainda podem ser encontrados em artigos acadêmicos.
Em entrevista para o SOS, a QG Feminista, que pesquisa o tema desde sua fundação, em agosto de 2017, compartilhou dados importantes sobre como a cultura pornográfica moldam nossas ideias sobre relacionamentos e sexualidade, causando assim a objetificação e exploração da mulher.
“1. A pornografia perpetua a cultura do estupro.
Porque é um discurso de ódio contra as mulheres. 88% das cenas pornográficas contêm agressão, sendo que em 70% delas são atos cometidos por homens e, em 94% delas, contra as mulheres.
2. O roteiro dos filmes ignoram os desejos femininos.
Um roteiro comum de filmes pornográficos é a atriz dizendo que não deseja fazer sexo ou apanhar, mas o ator ignora seus apelos e a cena continua, enquanto a atriz continua sorrindo e no final aparenta ter gostado, ou seja, a mensagem passada é de que estupro é normal, e que o “não” das meninas e mulheres significa ‘sim’.
3. Muita audiência, pouca responsabilidade.
Os sites de pornografia têm mais visitas por mês do que Netflix, Amazon e Twitter combinados. Hoje sabemos que uma parte significante do acesso provém de meninos menores de idade, inclusive pré-púberes.
4. A exploração é direcionada em sua maioria às mulheres.
59% das vítimas de tráfico de pessoas hoje são exploradas sexualmente, das quais 94% são do sexo feminino, segundo dados da ONU.
5. Pornografia infantil prospera na internet.
Em relação à pedofilia, 20% de toda a pornografia disponível na internet possui abuso sexual de crianças”, segundo o National Center for Missing and Exploited Children.
Além disso, para o grupo, a conscientização sobre a indústria do sexo é importante, já que esse mercado tem como cerne a violência e subjunção da mulher.
“Acreditamos que em uma sociedade realmente igualitária, não deve haver pessoas que sejam tratadas como objetos de consumo e nem uma desigualdade social tão gritante entre os sexos”, afirma a QG.
Feminista e abolicionista
Discutir a pornografia não é simples, até porque ela é alvo de discordância entre o próprio movimento feminista. Há vertentes que defendem o “pós-pornô”, que é explicado como a subversão dessa produção pornográfica heteronormativa e machista da indústria pornô, propondo uma pornografia mais diversa e política.
Outras são a favor da antipornografia, como é o caso da QG Feminista, que afirma ter um posicionamento abolicionista quando o assunto é indústria do sexo.
“Nós não acreditamos que a reforma de instituições misóginas seja algo com potencial de verdadeiramente transformar as estruturas sociais. A verdadeira subversão da produção pornográfica seria sua destruição.
Não enxergamos a pornografia como algo que precisa existir e, portanto, não buscamos uma saída pela via de uma pornografia menos exploratória. A saída que enxergamos é uma sociedade em que mulheres e homens possam expressar sua sexualidade livremente e de forma saudável, sem precisar recorrer a estereótipos pré-moldados em imagens”, ressalta o coletivo.
Como já mostramos anteriormente aqui no SOS, um estudo publicado pela autora estadunidense, Peggy Orenstein, na revista TIME mostra que muitas jovens estão encarando a pornografia como um modelo a ser seguido para o sexo e de como deve ser o comportamento da mulher nessa situação.
O caso é que, segundo o especialista em sexualidade e pornografia, Alex Doherty, quanto mais cruel e violenta, mais as pessoas vão ficando dessensibilizadas.
“O problema para a indústria pornográfica é que há apenas muitas maneiras de mostrar uma mulher sendo penetrada anal, vaginal e oralmente e há pouco a fazer com uma mulher agora além de matá-la”, disse o autor.
Já falamos sobre os problemas que a pornografia causa em nossa sexualidade, aqui.
Para a ativista Caitlin Roper “não há nada de ‘feminista’ na defesa da pornografia”. Ela explica que encarar a antipornografia como algo moralista não é defender a liberdade.
“O fato de que qualquer objeção a materiais pornográficos seja caracterizada como puritanismo antissexual ilustra como a indústria pornográfica é eficiente em alinhar seu produto com a libertação sexual, e não a exploração sexual. Os pornógrafos conseguiram pegar atos de dominação, crueldade e violência e chamá-los de sexo”, escreveu Roper em um artigo para o Huffington Post.
Seja de que maneira for, apoiando ou desaprovando, antes de consumir outro produto pornográfico, é preciso questionar os problemas que essa indústria causa, principalmente no estimulo a violência contra as mulheres, a objetificação dos seus corpos e à cultura do estupro.