“Pacote do Veneno”: Nova proposta pode aumentar a quantidade de Agrotóxicos nos alimentos
Que as frutas e legumes compradas no mercado, feira e quitanda do Zé da esquina possuem certa quantidade de substâncias tóxicas, não é mistério para ninguém.
Mas agora os alimentos podem ter quantidades ainda maiores de produtos nocivos; segundo especialistas, estaremos a ponto de comer veneno puro.
Isso por conta da possível aprovação do “Pacote do Veneno“, um conjunto de projetos de lei que estão tramitando na Câmara dos Deputados, as quais podem facilitar a aprovação, comercialização e utilização de agrotóxicos nas lavouras brasileiras, segundo o portal Rede Brasil Atual.
O engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo explicou que a aprovação desses PLs podem agravar as taxas de intoxicações nas pessoas, bem como a degradação ambiental.
“Com o tempo haverá uma ampliação nas campanhas de marketing destinadas a esconder os problemas e rendas das empresas produtoras dos venenos (agrotóxicos).” – revela Melgarejo, que também é o atual presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan).
O conteúdo do “Pacote do Veneno”
Segundo a atual Lei dos Agrotóxicos (Lei nº 7.802/1989), quando um produto químico não se encaixa em pelo menos um dos itens da lista de informações relativas aos perigos potenciais, é banido.
O Projeto de Lei (PL) 3.200/2015, do deputado federal Luis Antonio Franciscatto Covatti (PP – RS), substitui o termo “agrotóxico” por “fitossanitário” e ainda cria uma Comissão Técnica Nacional de Fitossanitários, subordinada ao Ministério da Agricultura.
Alan Tygel, coordenador da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, explicou ao SOS que a mudança do nome “agrotóxico” para “fitossanitário” pode esconder o potencial danoso de tais substâncias.
A atual Lei dos Agrotóxicos dá a Anvisa, ao Ibama e ao Ministério da Agricultura vozes iguais na decisão de registros de produtos químicos usados na agricultura. Com a aprovação do PL, o cenário pode mudar.
“Na proposta do PL a agricultura passa a ter um peso muito maior dentro dessa comissão, pois ficará dentro do Ministério (…). A gente sabe que eles têm como objetivo aumentar o modelo atual do agronegócio e facilitar a liberação de novos agrotóxicos“ – declara o especialista.
Atualmente, é proibido o registro de agrotóxicos que apresentem qualquer possibilidade de causar câncer. Segundo Tyrel, isso também pode mudar.
“A nova proposta tem uma pequena modificação: proíbe registro de agrotóxicos que têm “risco inaceitável” de causar câncer. Vai saber quem vai dizer que risco aceitável é esse.” – Pontua.
A proposta é polêmica a ponto do Ministério Público Federal postar uma Nota de Repúdio.
Outra proposta que integra o pacote é o Projeto de Lei (PL) 6.299/2002, do atual ministro da Agricultura Blairo Maggi. Segundo os especialistas, o projeto coloca em risco a Lei nº 7.802/89 pois altera regras de pesquisa, estimulando a liberação, produção, venda e uso de agroquímicos.
“Para o Ministério da Agricultura o que interessa é o sucesso de cada safra em uma visão de curto prazo. Chega a ser chocante!” – Revela Melgarejo.
Para completar, se esse PL for aprovado, as embalagens dos produtos agroquímicos deixarão de ter o símbolo da caveira.
“Veja a maldade, crianças e analfabetos funcionais não sabem ler, mas entendem que a caveira esconde ameaças.” – Lamenta o engenheiro agrônomo.
Veneno para pragas e pessoas
Os agrotóxicos ou agroquímicos são produtos usados para controlar danos em plantações, eliminando insetos, ervas daninha e doenças (leia mais aqui).
Alan Tygel explicou que existem os herbicidas, feitos para plantas, os inseticidas para insetos e os fungicidas, obviamente, para fungos.
“O que eles têm de característica em comum é que são produtos químicos sintéticos, feitos para matar alguma coisa.” – conta.
Segundo o presidente da Agapan, essas substâncias são moléculas de síntese química que podem afetar o metabolismo, o sistema nervoso e até provocar tumores nos humanos. Também podem entrar no sistema circulatório e afetar os rins, fígado, pulmão e coração.
“Alguns podem provocar danos por queimaduras nos órgãos internos (…). Podem causar tonturas, cegueira, dificuldade de aprendizado e até suicídios, em função de depressões agravadas por diferentes causas.” – Melgarejo explica.
De acordo com esses dados da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC), mamografias comprovaram que herbicidas e inseticidas podem ser agentes cancerígenos.
Já neste artigo, do site científico PNAS, especialistas falam do suposto agente presente em agrotóxicos que pode causar a Doença de Parkinson.
O meio-ambiente também sofre
Não é apenas o uso de agroquímicos que causa problemas ambientais. A produção e o transporte agrícolas também comprometem o bem estar da fauna e flora.
“Por exemplo, já existem problemas ambientais bem sérios, vindo dos resíduos de fábricas. (…) Inclusive, o Dia Mundial de Luta contra os Agrotóxicos (03 de dezembro), é o dia de uma explosão em uma fábrica de agrotóxicos na Índia que matou mais de 30 mil pessoas e provoca danos no meio ambiente até hoje.” – relatou Alan.
O transporte também representa perigo, afinal qualquer tipo de vazamento pode provocar danos ao ecossistema. Como o caso do derramamento do pesticida Endosulfan no Rio Paraíba do Sul em 2008, o qual envenenou a água e causou a morte de muitos peixes.
Além disso, no uso desses agentes, alguns agrotóxicos têm moléculas pesadas que passam pelo solo e chegam no lençol freático, contaminando toda a água da região.
“Os químicos causam “quebra” nas cadeias de relacionamento do solo, essenciais para a manutenção e a recuperação da qualidade das águas. Dificultando também a fertilidade do solo, os processos de polinização e assim por diante.” – explicou o engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo.
“Essa contaminação da água é muito perigosa e difícil de ser monitorada.” – Tyrel complementa.
Sem contar as pulverizações aéreas de agrotóxicos, verdadeiras armas químicas, na opinião do coordenador da Campanha Contra os Agrotóxicos.
“Esse agrotóxico não tem barreiras, o vento leva e contamina tudo o que você pode imaginar. O ar, a água da chuva, os cursos d’água e até as vilas e populações que moram nas proximidades” – adverte o especialista.
A Batalha contra
Está em tramitação na Câmara o Projeto de Lei n° 6670/2016, de iniciativa popular, que institui a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos – PNARA. São propostas que levam a agricultura atual para um modelo agroecológico.
Criar um sistema livre de agrotóxicos, proibir a pulverização aérea e retirar as isenções fiscais dos agrotóxicos são os principais pontos. Tygel espera que algo possa mudar.
“Pelo menos nos permite fazer um embate dentro da câmara” – disse.
O Parlamento Europeu divulgou um relatório sobre os impactos da alimentação orgânica para a saúde pública e agricultura.
São 5 opções de políticas públicas que poderiam ser consideradas aqui no Brasil:
- Não perder a oportunidade de encontrar ganhos para a saúde e meio ambiente.
- Incentivar políticas de segurança alimentar, como o controle de certas substâncias em sementes. Algumas são modificadas e usadas para alimentar os animais que serão abatidos, acabando na nossa mesa.
- Aumentar investimento em pesquisas e gerar mais comida com qualidade, usando práticas agrícolas sustentáveis.
- Incentivos fiscais no mercado da agricultura orgânica. As doenças da agricultura convencional geram custos aos sistemas de saúde. Se os agrotóxicos tivessem uma taxa maior, esse dinheiro poderia ser investido na agricultura orgânica.
- Incentivos ao consumo sustentável, criando leis que garantam uma alimentação orgânica em escolas, hospitais e restaurantes.
Enquanto os políticos não tomam uma decisão sobre o que fazer em relação aos agrotóxicos e seus impactos, vamos nos proteger como podemos.
Dá para viver sem agrotóxicos?
Se pararmos para pensar, a agricultura existe desde os primórdios da sociedade e não havia agrotóxico naquela época. Mas o atual modelo de cultivação só sobrevive com fertilizantes químicos, adubos sintéticos e agrotóxicos.
“Se você enche o solo de adubos sintéticos, interfere em toda a vida complexa que tem dentro dele. Solos pobres vão gerar plantas doentes, geralmente atacadas por insetos, fungos e pragas e aí precisam de agrotóxico.” – explica Alan Tygel.
Ambos profissionais afirmam que o governo e as empresas deveriam focar em alterar esse atual modelo e estimular uma agricultura agroecológica, não o inverso.
“Precisaríamos que a sociedade reclamasse com os governos sobre a realização de uma reforma agrária efetiva e implantação da PNARA (Política Nacional de Redução dos Agrotóxicos), (…) também sobre o cessamento do estímulo à produção e uso de venenos.” – Sugeriu Melgarejo.
“Esse modelo destrói a biodiversidade e o solo, que é a base da plantação. (…) Precisa-se de uma mudança de paradigma de produção. (…) Ao longo do tempo, você vai tendo as frutas e legumes mais saudáveis e regenerando toda a destruição causada pelo agronegócio.” – Conta Tyrel.
O site da Articulação Nacional de Agroecologia explica, no vídeo “Água Boa“, como a produção agroecológica recupera as propriedades do solo, fazendo dele o responsável pela transição da água da chuva pra os rios e nascentes, regenerando assim o sistema hídrico de uma região.
Como tentar se proteger
Já mostramos aqui no SOS um ranking dos alimentos com mais agrotóxicos e formas de lavar os vegetais para diminuir os resíduos tóxicos. Aqui você também você pode encontrar um mapa com as principais feiras orgânicas do país.
Se ainda tiver dúvidas sobre o malefícios dos agroquímicos, o dossiê de agrotóxicos da Associação Brasileira de Saúde Coletiva fala mais sobre o assunto.
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