As receitas deliciosamente polêmicas de Rapha Prado
É possível unir receitas deliciosas com política? Com certeza!
Impressionado com as recentes declarações de líderes políticos e de protestos que pediam intervenção militar no país, Raphael Prado imaginou como seria a vida se as coisas voltassem a ser como eram na época da ditadura.
“E se rolar outro AI-5 mesmo? As pessoas que falam de política na internet vão ter que postar receitas, como era feito nos jornais no fim dos anos 60?”, questiona o jornalista.
Se você ainda não sabe, era exatamente isso que acontecia naquela época.
Depois que o Ato Institucional nº 5 – também conhecido como AI-5 – selou de vez a ditadura no Brasil, legalizando a censura e perseguição contra tudo e todos que fossem considerados subversivos, jornais publicavam receitas no lugar das matérias censuradas, como forma de protesto.
Depois de ver o AI-5 voltando a circular por aí, o jornalista Raphael Prado, sentiu que era hora de fazer alguma coisa.
Gosto por cozinhar que herdou do pai, tempo livre, fome, preocupação e uma pitada de humor. Juntou isso tudo em uma panela e começou a ensinar receitas no Youtube que, com pitadas generosas de ironia e crítica, provocam a nossa reflexão.
O nome das receitas do jornalista, roteirista e cozinheiro amador dão o tom do que são seus vídeos, sucesso na internet. Usando uma atividade rotineira, como cozinhar, brinca e faz trocadilhos com os principais acontecimentos políticos do país.
A ideia do que vai cozinhar depende de duas coisas: daquilo que acontece pelos lados do Planalto e do que está disponível na dispensa.
Como as receitas foram feitas, em sua maioria, durante o isolamento social pela qual o país passa, Raphael explica que o mais difícil no momento não é encontrar assuntos, mas usar os ingredientes que ele tem em casa:
“Eu não tenho ido ao supermercado e os serviços de delivery têm demorado para fazer entrega. Então tem que combinar muitos fatores: uma receita que seja divertida, eu ter os ingredientes e alguma bobagem do governo sobre a qual fazer piadas – essa última é a parte mais fácil, sem dúvida”, detalha.
E quase nada escapa das panelas deste destemido cozinheiro. Crises diplomáticas, terraplanismo, proteção de filhos, esquema de laranjas, o caos na saúde em meio à uma pandemia mundial, omissão de instituições, economia caindo, educação. Tudo serve de tempero para as comparações que suas receitas fazem com culinária e política.
E olha, podemos confirmar que a polêmica só apimenta como tempero, pois as receitas são todas deliciosas! Dá uma olhadinha em algumas das que fizeram mais sucesso:
1. Pede, Moleque!
Uma das que mais fez sucesso foi a mistura de amendoim, açúcar, a troca de comando na Polícia Federal, manteiga, o pedido de demissão do ex-ministro da justiça e um pai protetor.
Mesmo com o risco das bandeirinhas, fogueiras e barraquinhas não irem para as ruas este ano, por conta da pandemia, um dos doces mais tradicionais da época junina não podia faltar.
Use meio quilo de amendoim torrado sem pele, para facilitar sua vida. Coloque em uma panela. Em fogo baixo, acrescente meio quilo de açúcar e deixe derreter. Depois de derretido, desligue e coloque duas colheres de manteiga e uma lata de leite condensado. Unte uma superfície ou forma com manteiga, despeje a mistura no formato que preferir e espere esfriar.
2. Manjar de Porcaria Nenhuma
Essa é uma sobremesa que, além de deliciosa, parece um requisito de muitos ministros do atual governo.
Para começar, unte uma forma com óleo e reserve. A receita leva 1 litro de leite. Dessa quantidade, coloque 3/4 xícaras em uma panela, junte de 400 ml de leite de coco e uma lata de leite condensado. Misture e deixe ferver. Dissolva 1 xícara de amido de milho no restante do leite e acrescente aos poucos na panela, mexendo até ficar grosso.
Despeje a mistura na forma e cubra com um plástico filme encostando no manjar, para evitar a formação de uma película. Leve a geladeira e depois de três horas desenforme. Mais ou menos como alguns bolsonaristas costumam fazer nas redes sociais. Uma calda de caramelo, super rápida e fácil de fazer, vai bem como cobertura.
3. Batata assando
Dois modos para fazer deliciosas batatas “assando”, como a situação que alguns nomes do governo. Um prato sueco e outro mais tradicional.
Para a primeira, a hasselback, um prato sueco, basta fazer cortes que não cheguem até o final da batata, passar manteiga derretida nela e temperar com sal e pimenta. Coloque no forno médio por 25 minutos, retire, passe mais um pouco de manteiga e acrescente ramos de alecrim nos cortes. Volte ao forno e entre 40 minutos e 1 hora – mais ou menos o tempo de surgir uma nova declaração infeliz de membros do atual governo – ela estará pronta.
A outra receita é uma batata recheada. Fure – assim como algumas pessoas vem fazendo com a quarentena – toda a batata e passe azeite por ela toda. Tempere com sal e pimenta e, enquanto ela vai ficando macia, prepare o recheio. Ele pode ser de acordo com seu gosto. Neste caso, será usado requeijão e cogumelos salteados. Vá espetando a batata com um garfo, ainda no forno, e quando perceber que ela já estiver assada, retire, faça um corte no meio e recheie.
4. Pavê o Circo Pegar Fogo
O doce que mais querido daquele tio que acredita em fake news de Whatsapp. E diferente dos tweets do filho 02 do presidente, essa receita é muito fácil de entender.
Comece pelos cremes! Serão dois: um branco e outro de chocolate.
Coloque uma lata de leite condensado e a mesma medida de leite em uma panela com uma gema de ovo. Junte amido de milho e misture bem até ficar grosso. Depois é só desligar o fogo. No creme de chocolate, utilize as mesmas medidas e passos, acrescentando chocolate em pó.
Em uma bandeja, despeje o creme branco no fundo. Molhe os biscoitos doce – de preferência o que você tiver em casa, para não precisar ir a rua – e faça uma camada. Cubra com o creme de chocolate e leve a geladeira por duas horas.
5. Risoto de pal…MITO com laranja
Essa receita requer calma, sem pressa. Igual o presidente do Congresso Nacional analisando os pedidos de impeachment do presidente.
Comece esquentando água em uma panela com um caldo de legumes. Em outra, derreta um pouco de manteiga e frite uma quantidade boa de cebola. Acrescente arroz arbóreo, aquele indicado para risoto, e deixe fritar também. Depois disso, acrescente o suco de laranja, tempere com sal, pimenta e se gostar, um pouco de vinho branco. Deixe ferver.
Depois que o suco secar, acrescente aos poucos o caldo que você deixou fervendo no inicio. Deixe secar, depois coloque mais. Repita isso até o arroz ficar al dente. O palmito entra apenas na última leva de caldo, para não desmanchar.
Não deixe secar por completo, para o risoto não perder a cremosidade. Quando perceber que está ficando perto, acrescente manteiga e desligue. Misture bem, tampe e espere 5 minutinhos para os ingredientes terminarem de cozinhar com o vapor.
Repercussão
Com muito humor e ironia, o cozinheiro amador – que diz não ter tido problemas com apoiadores e simpatizantes do governo por ser vegetariano e não se envolver com gado – conseguiu algo difícil em um cenário tão polarizado como o de hoje. Conquistou a simpatia de diferentes visões políticas do Brasil. De certa forma, uniu o país.
Ivan Valente (PSOL), Jandira Feghali (PCdoB), Humberto Costa (PT), Alexandre Frota (PSDB), Joice Hasselman (PSL) e Manuela D’Ávla (PCdoB). Esses foram algumas figuras do cenário político que compartilharam sua receita de “Pede, Moleque” nas redes sociais.
Receita política de Pé de Moleque
Ajuda a entender o momento com humor e sarcasmo. pic.twitter.com/kbptZmI8Af
— Ivan Valente (@IvanValente) May 3, 2020
Apesar de todo sucesso de seus vídeos, Raphael Prado confessa não saber quais serão os próximos pratos que cozinhará, mas que seu desejo maior é parar de fazer essas receitas o quanto antes e voltar a ter a culinária apenas como um passatempo. Mas o Brasil parece não deixar.
“Eu acho que, sobretudo nesse momento que a gente tá em casa, as pessoas estão cozinhando mais, consumindo mais conteúdo na internet, e é quase uma obrigação pros comunicadores levarem uma reflexão ao público.
Não posso adiantar o que vem por aí porque, como eu disse, as piadas [sobre o governo] se atropelam. Nem mesmo sei o que vou fazer amanhã. Mas espero que chegue logo o dia de ensinar um doce pra fazerem lá no Palácio do Planalto: O Último Suspiro”.
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