Veganismo é uma das filosofias de vida mais populares atualmente, tanto é que o número de vegetarianos no Brasil quase dobrou em 6 anos, chegando a 29 milhões de pessoas em 2018, segundo o IBOPE; ao mesmo tempo que o mercado vegano cresce 40% ao ano no paÃs.
Antes disso, as dietas veganas começaram a ser definidas há apenas 75 anos, com a criação da Vegan Society – a primeira instituição vegana do mundo. Foi apenas em 1988 que a Vegan Society cunhou o conceito de veganismo que é utilizado nos dias atuais – algumas variações aconteceram com o passar dos anos, mas em essência permaneceu assim:
“Uma filosofia e modo de vida que procura excluir – na medida do possÃvel e praticável – todas as formas de exploração e crueldade de animais para alimentação, vestuário ou qualquer outro propósito; e por extensão, promove o desenvolvimento e uso de alternativas sem animais para o benefÃcio de animais, humanos e meio ambiente. Em termos dietéticos, denota a prática de dispensar todos os produtos derivados total ou parcialmente de animais” .
Por ser um movimento recente e em constante crescimento, é comum que se fale bastante sobre o assunto. Ao imaginar o planeta inteiro dominado por veganos sedentos, o canal IncrÃvel produziu o vÃdeo “Como o mundo seria se todos virássemos veganos“.
Com conteúdo pouco aprofundado e cheio de generalizações, o vÃdeo não teve boa repercussão e internautas logo se posicionaram nos comentários.
Fábio Chaves, escritor, ativista e fundador do Vista-se, o maior portal vegano da América Latina, também se pronunciou nos comentários.
Alguns dias depois, publicou em seu canal uma resposta ao vÃdeo do canal IncrÃvel.
Em seu canal, Fábio produziu um vÃdeo reagindo à publicação do IncrÃvel e detalhando os pontos levantados sobre situações hipotéticas de um mundo de repente vegano. Vamos abordar os 6 pontos levantados pelo primeiro vÃdeo e contextualizar com os argumentos apresentados por Chaves.
1. Quantidade enorme de animais vagando por aÃ?
MITO – A primeira afirmação aponta que, caso os animais deixassem de ser consumidos pelos seres humanos, repentinamente eles viveriam vagando pela terra, ou, quando se tratando de animais mais domesticados, que eles não sobreviveriam ou seriam mal alimentados.
“Libertar esse animais seria condená-los a uma morte lenta e dolorosa. Pois eles morreriam de fome, doenças e ataques de predadores“, diz o vÃdeo do canal IncrÃvel.
Fábio, entretanto, explica que como a transição para o veganismo acontece de maneira gradual, a própria indústria teria capacidade em se adaptar de acordo com a demanda – abatendo menos animais, já que a procura seria menor.
Da mesma forma que a indústria estimula a criação e abate de animais em enormes quantidades para atender nossas demandas alimentares, ela pode ir diminuindo esse processo.
É completamente ilógico fazer uma suposição com base em uma coisa que não irá acontecer. E é esse, segundo o ativista, o principal erro do vÃdeo: sugerir que todas as pessoas do mundo virariam veganas de uma hora para outra.
2. Graves problemas econômicos?
MITO – O vÃdeo do IncrÃvel menciona que as economias mundiais iriam piorar e fazendeiros seriam levados à falência pois não teriam tempo nem recursos para começar a cultivar legumes, frutas, verduras e grãos ‘de uma hora para outra’.
Fábio explica mais uma vez que a adesão ao veganismo acontece pouco a pouco e essa teoria de ‘caos econômico mundial’ não se sustenta.
À medida que o consumo de alimentos de origem animal diminui, é natural que a procura por alimentos veganos aumente e, com isso, expanda também a oferta desses produtos. É tudo uma questão de adequação da oferta à procura.
“O fato de uma atividade gerar renda, gerar muito dinheiro não torna ela ética ou moralmente aceitável“, afirma Fábio Chaves.
3. O mundo passaria por mudanças climáticas?
VERDADE – Apesar de ser verdade, o vÃdeo do canal IncrÃvel não trata isso como uma coisa necessariamente positiva. Apesar de mencionar que, com a diminuição do gado, as emissões de gás metano (um subproduto da digestão do gado) também diminuiriam, o conteúdo questiona o que aconteceria com os espaço que hoje são destinados à criação de animais.
O vÃdeo menciona que o “ideal” seria reflorestar os espaços desmatados e, assim, buscar recuperar o equilÃbrio global, mas que provavelmente isso não aconteceria, já que esses mesmos espaços seriam utilizados para cultivar vegetais – esse cultivo poderia exigir algumas medidas cruéis contra animais, como roedores.
Já no vÃdeo-resposta, o ativista menciona que para cada quilo de carne são necessários 7 kg de vegetais. Ou seja: se não precisássemos direcionar tantos vegetais para a criação animal, precisarÃamos de sete vezes menos espaço para cultivar vegetais para consumo humano. Logo, terÃamos espaço de sobra para garantir alimentos sem origem animal e ainda haveriam áreas disponÃveis para reflorestamento.
Vale lembrar que a Organização de Agricultura e Alimentação das Nações Unidas (FAO) já alerta desde 2006 que a pecuária mundial emite mais gases que causam o efeito estufa do que todas as formas de transporte utilizadas no mundo. Em 2010, a ONU alertou que uma dieta vegana é essencial para evitar impactos ambientais ainda piores no futuro.
4. As pessoas ficariam com mais alergias?
MAIS OU MENOS – O canal IncrÃvel começa a tratar esse assunto do jeito certo, afirmando que uma dieta vegana reduz chances de desenvolver doenças como diabetes tipo 2, hipertensão, doenças cardÃacas e até alguns tipos de câncer.
Mas logo o vÃdeo parte para generalizações rasas, mencionando que muitas pessoas têm alergia a soja, nozes e trigo (que seriam “a base” da dieta vegana, segundo eles), citando exemplos de negligência com crianças mal alimentadas e até alertando que “nem todos os veganos são pessoas absolutamente saudáveis“.
Fábio Chaves, por sua vez, já explica que não existem grupos especÃficos de pessoas “absolutamente saudáveis”. Nem veganos, nem vegetarianos, nem onÃvoros. O que existem são pessoas que ingerem os nutrientes necessários para a manutenção da saúde.
“As pessoas precisam de nutrientes, não de nutrientes que vem de animais“, destacou o ativista.
Além disso, Chaves também menciona a quantidade de alérgicos a alimentos de origem animal como frutos do mar, ovos, leite e seus derivados. Logo, o argumento de que muitas pessoas não poderiam ser veganas por apresentarem alergia a determinados produtos de origem vegetal não se sustenta: existem inúmeras alternativas.
Em casos raros, como acontece com a vitamina B12, é possÃvel suplementar determinado nutriente sem envolver crueldade animal no processo.
5. Pets sofreriam com a alimentação vegana?
MITO – Como os animais domésticos seriam alimentados em uma sociedade vegana? O vÃdeo do canal IncrÃvel afirma que “Forçar os pets a comer alimentos veganos pode também ser considerado também crueldade animal, o que contradiz a essência do veganismo“.
Fábio desmistifica esse assunto afirmando que é possÃvel alimentar adequadamente animais domésticos, incluindo gatos, apenas com alimentos de origem vegetal. O ativista alerta que é preciso se atentar a possÃveis itens alergênicos, mas que inclusive existem rações veganas que garantem nutrição adequada aos pets.
A veterinária, doutora em Zootecnia e Ciência Animal Flávia Saad falou nas redes sociais sobre a ração vegana para gatos e afirma que é possÃvel, sim, alimentá-los de maneira saudável e adequada com esses produtos. Fábio já falou melhor sobre veganismo e animais domésticos, inclusive sobre alimentação deles, em outro vÃdeo de seu canal. (assista aqui)
6. Mais alimento, menos nutrição?
MAIS OU MENOS – Para finalizar, o vÃdeo do canal IncrÃvel faz esse questionamento e apresenta dados levantados por cientistas da Virginia Tech, em relação aos Estados Unidos:
- Emissões de gases de efeito estufa cairiam 28%, reduzindo as emissões norte-americanas em 2,6%;
- A produção de alimentos no paÃs iria aumentar, mas seriam alimentos pobres em cálcio e vitaminas A e B12;
- Haveria mais alimentos, mas não tão nutritivos.
Para Chaves, essa informação é controversa. O ativista questiona nossa cultura simplista de ingerir proteÃnas e demais nutrientes apenas de origem animal, sem considerar a variedade de grãos, castanhas, cereais e uma infinidade de outros alimentos que podem nos garantir aporte calórico e nutritivo.
Vale lembrar que, como já mencionamos, uma alimentação baseada em vegetais é recomendada pela ONU, inclusive para proteger o meio ambiente – não ‘somente’ para nos manter saudáveis.
Para finalizar, Fábio explica que veganismo não se trata de “preferência alimentar”, mas de uma filosofia de vida onde não há espaço para sofrimento animal – em nenhuma esfera de nossas vidas.