“Ser ganancioso não faz de você um capitalista, mas um sociopata”
Os principais pontos que fizeram com que o neoliberalismo, criado na década de 70, ganhasse força como modelo socioeconômico a ser seguidos pelos principais países capitalistas do mundo é algo que gera controversas, principalmente pelos efeitos negativos que traz para trabalhadores e democracias.
Celulares, carros, eletrônicos e até mesmo roupas. O progresso e modernização que a doutrina neoliberal trouxe para o mundo, e uma maior prestação de serviços por parte de empresas globalizadas, desenvolveu a economia global como um todo.
Porém, com o lucro sendo o principal foco desse sistema, políticas e regulamentações em prol dos trabalhadores são deixadas de lado.
Como uma de suas principais bases é a falta de interferência do Estado na economia, o chamado “Estado mínimo”, os mercados acabam por se auto-regular. Com a privatização de estatais, prática comum do neoliberalismo, as grandes corporações ditam as regras dos mercados, abrindo brechas para que empresários criem suas próprias.
Bons frutos, mas para quem?
A fala destacada no título desse artigo foi dita em uma palestra realizada no TED Talks, pelo empresário estadunidense e capitalista de risco Nick Hanauer. Ele entende que o principal motivo para o caos econômico e social que grande parte dos países estão vivendo é devido ao neoliberalismo, que para ele é um sistema econômico ultrapassado.
Antes da era neoliberal, os economistas, em sua maior parte, trabalhavam para o Estado. Porém, com a ascensão dessa prática, passaram a trabalhar para o crescimento de poderosas multinacionais e enriquecimento de alguns poucos acionistas.
Um dado bastante claro pode ser observado no relatório global da organização não governamental Oxfam, as 26 pessoas mais ricas do mundo detêm a mesma riqueza dos 3,8 bilhões mais pobres, que correspondem a 50% da humanidade.
A olhos nus, o modelo econômico que muita vezes aumenta o Produto Interno Bruto (PIB) dos países, parece render bons frutos apenas para os que estão com o controle do mercado. Ou seja, o PIB de um país não demonstra se ele tem miséria ou não; isso porque a riqueza pode estar nas mãos de pouquíssimas pessoas.
Neoliberalismo e a América Latina de 2019
Desigualdade, falta de direitos, enriquecimento de um lado e exploração do outro, concentração de renda. Recentemente dois países da América do Sul estão dando uma resposta negativa ao neoliberalismo e as suas consequências para o povo.
Há mais de um mês, o Chile vive um estado de convulsão social. Tudo começou com estudantes insatisfeitos com o aumento nas tarifas de metrôs e ônibus do país. Porém, com o passar dos dias, a situação saiu de controle, levando um alto número de cidadãos às ruas para protestar não somente contra os aumentos, mas contra a política neoliberal que existe desde a ditadura de Pinochet.
Água, escolas, saúde, transporte, rodovias e até mesmo a previdência. No nosso país vizinho quase tudo é privatizado. É caro viver, principalmente para o trabalhador, que paga toda a conta.
Segundo relatório elaborado pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, intitulado Panorama Social da América Latina, de 2018, 1% da população mais rica do Chile possui 26,5% da riqueza de todo o país, enquanto 50% de pessoas baixa renda representavam 2,1% de toda riqueza do país.
Na Argentina o movimento foi menos caótico, porém no mesmo sentido. Nas eleições presidenciais de 2019, o candidato a reeleição Maurício Macri, que defende práticas neoliberais, acabou perdendo para seu opositor, o peronista Alberto Fernández.
Já o Brasil seguiu outro caminho. Logo no inicio de seu mandado na presidência, Jair Bolsonaro e sua equipe econômica, que tem como figura na linha de frente o Ministro Paulo Guedes, adotaram medidas duramente neoliberais.
A principal reforma aprovada no primeiro ano de governo, a previdência social, inseria em sua proposta original um modelo de capitalização, onde cada trabalhador pagaria seu próprio fundo previdenciário, como é no Chile, ao contrário do que acontece atualmente, onde todos depositam em um mesmo fundo, com o dinheiro sendo utilizado para pagar a aposentadoria de todos. No entanto esse modelo foi retirado do texto final da reforma da previdência.
As privatizações também são uma marca do novo governo brasileiro. O objetivo é que ao menos 17 empresas estatais sejam passadas para a iniciativa privada. Recentemente, o Brasil leiloou áreas de campo do pré-sal para países interessados na sua exploração, obtendo lucro de 70 bilhões de reais.
Além disso, na PEC do Pacto Federativo, apresentado pelo governo, foi incluído uma proposta que tira obrigação da construção de escolas públicas, o que levaria à um processo de privatização das escolas, com cada vez mais unidades de ensino particulares.
Enquanto medidas que priorizam o mercado e o lucro são tomadas, a desigualdade no Brasil continua crescendo. Em pesquisa realizada pelo IBGE, o valor que o 1% da população mais rica ganha mensalmente é 38,3 maior que a renda de 50% dos mais pobres, que recebem R$ 820,00 em média. Vale dizer que a desigualdade social no país só cresceu desde 2015, segundo estudo da FGV.
Um novo caminho a seguir
O neoliberalismo modernizou, expandiu os mercados e fez com que a economia mundial evoluísse. Porém, ao mesmo passo em que os mercados começaram a ditar as regras do jogo, com influências diretas na sociedade e até mesmo na política, as revoltas das classes trabalhadoras, bem como as crises, também apareceram.
Segundo Nick Hanauer, o que precisa ser feito é superar o neoliberalismo por um modelo econômico mais igualitário, próspero e sustentável. O capitalista explica que os mercados são compostos de pessoas, em seus mais variados níveis. Ao priorizar grandes corporações em detrimento à trabalhadores, ele alerta que a crise inevitavelmente chegará. Econômica ou socialmente.
Apesar de não ter um nome próprio, teorias vem sendo desenvolvidas para uma nova economia. De acordo com Hanauer, alguns passos precisam ser seguidos para a queda do neoliberalismo e a implantação de um novo sistema mais justo.
As economias devem ser tratadas como jardins, e não selvas. Assim como as flores de jardins precisam ser cuidadas, as economias também merecem essa atenção. Porém, sem regulamentar corporações e sem políticas verdadeiramente democráticas, os mercados neoliberais acabam criando mais problemas do que soluções.
A inclusão é um outro ponto importante para o crescimento econômico. Diferente do que sugerem os ideias neoliberais, fazer com que um funcionário de uma grande empresa de veículos, por exemplo, tenha condições de comprar um dos carros dessa mesma fábrica, através de políticas que o ajude a crescer e conseguir ganhar mais, é um ponto crucial.
Economia é feita por todas as pessoas de um sistema. Quando somente um dos lados prospera, não há equilíbrio. Cooperar não significa apenas enriquecer acionistas. É preciso melhorar o bem estar de todos que participam do sistema. Clientes, trabalhadores, comunidade e acionistas. Isso sem contar o próprio planeta, que acaba sendo destruído em prol do crescimento econômico – como explicamos aqui.
Nick Hanauer alerta que a ganância em um sistema econômico não te torna um capitalista bem sucedido, mas um sociopata. Em uma sociedade que precisa de cooperação – empresários precisam de trabalhadores, e vice-versa – ser ganancioso só torna as coisas piores para os negócios e para a sociedade. Quando somente um vence, todo o resto perde.
Por fim, o capitalista de risco propõe que para mudar a economia, basta querermos. Diferente das leis da física, que são imutáveis nesse plano, as práticas sócio-econômicas não são, dependem apenas da nossa conscientização e união.
Assista ao vídeo completo (com legenda):
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