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O que aprendi beijando um cara hétero pela primeira vez

25 de setembro de 2015
Postado por Enrique Coimbra

Sempre fui muito hétero para andar com os gays e muito gay para andar com os héteros, então absorvi o melhor dos dois mundos. Mesmo assim, uma verdade suprema dita pela sociedade e que acatei foi: 

“Se o cara é hétero e ficou com outro cara, ele é gay”.

Minha cabeça só foi abrir de novo quando fiquei com um cara hétero que me ensinou algo fundamental sobre comportamento sexual, pois começamos devagar, como amigos. Minha melhor amiga da época era apaixonada por esse cara e eles saíam vez ou outra.

Quando eu estava junto, ele queria conversar comigo o tempo todo, mesmo que nossos interesses fossem do tipo: ele só fala de xereca e eu só falo de pinto. Todo inocente e sem nenhuma razão para pensar besteira, não suspeitei de nada.

Numa noite qualquer de sábado, aterrizei numa festa bem xamânica, com fogueira e tanta maconha que esbarrei no cara dentro da névoa, sem querer — já estava chapado e bêbado. Ele me sequestrou dos meus amigos sem que ninguém percebesse, me levou para o canto e admitiu com toda coragem:

“Pô, sou hétero e não sei porque, mas tenho curiosidade de ficar contigo”.

Ele era lindo e estava me propondo um “desafio”. Por que eu diria “não”?

Ainda fizemos a linha discreta na festa, nos cruzando aqui e ali para trocar um papo bobo, sem que ninguém notasse nosso crescente interesse um pelo outro. Funcionou.

Acabei na casa dele, doidão, e enquanto ele arranjou desculpa para trocar de cueca na minha frente, foi explicando que nunca tinha olhado para um cara com curiosidade, mas que era cabeça aberta o suficiente para entender o que estava acontecendo: sabia que não se tornaria gay por me beijar e o interesse dele não estava no rótulo que se daria a partir daí.

O interesse era responder a esse novo “desejo” que surgiu e despertou tantas questões que ele queria esclarecer para ele.

Nos beijamos por horas e tomamos banho juntos pouco antes do sol nascer — com as luzes apagadas a pedido dele —, mas quando me deu carona no dia seguinte, era como se nada tivesse acontecido e eu entendi o recado: sigilo.

Em vez de sair correndo e contar para meus amigos mais confiáveis que “fulano é gay”, preferi respeitar o segredo e parar de defini-lo como uma coisa só quando o ser humano não precisa ser uma coisa só.

“Ele não era gay.”

Mesmo que “gay” não seja xingamento, não seria justo colar essa etiqueta nele, pois quantas vezes eu, predominantemente gay, não quis beijar uma menina? Deixo de ser menos gay por isso? Acredito que não.

Acho que me sinto mais feliz sabendo que não estou me negando nenhum desejo saudável — e fico feliz por ele ter sido tão tranquilo com isso também: matou a curiosidade, não teve mais vontade e continuamos amigos de onde paramos, sem complicar o que não precisa ser complicado. Foi uma experiência para mim e para ele, ponto final.

Poderia ter sido diferente, ele tendo gostado, ficado com outros garotos ou até se apaixonado por mim, só que sexualidade é tão íntima — e não falo apenas da condição sexual — que não sei se cabe a mim julgar como cada pessoa atende seus prazeres, pois:

“Nenhuma pessoa precisa se sentir obrigada a dar satisfações sobre a própria intimidade para ninguém!”

Com isso em mente feito um mantra, prefiro investir tempo aprendendo a ser honesto com minhas “curiosidades”, sem rótulos, apontando menos nos outros o que não gostaria que apontassem em mim — e sem transformar sombras pequenas em monstros gigantes de séries japonesas.

A sociedade já faz esse trabalho por mim.

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– Vamos de olhos fechados ou abertos?

Imagem: buzzfeed

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