• Colabore!
  • Sobre nós
  • Contato

Atitude Coletiva

chevron_left
chevron_right

Meritocracia torna a pessoa mais egoísta, preconceituosa e menos autocrítica

Tal constatação foi replicada por psicólogos, neurocientistas e até economistas.

Thays Martins Publicado: 06/05/2019 14:20 | Atualizado: 06/05/2019 15:08

O discurso da meritocracia está na moda. De Trump a Bolsonaro, está em voga a defesa de que apenas “o esforço consegue levar onde quiser”. É o tal do ‘sonho americano’ invadindo novamente a cabeça dos jovens.

Mas talvez ela não seja tão eficaz assim. Isso é o que defende o escritor Clifton Mark em um artigo publicado no site Aeon. De acordo com o autor especialista em política, esse tipo de estratégia de discurso é um ideal social, que se opõe ao sistema clássico de aristocracia hereditária, em que a posição social é determinada pelo nascimento.

A ideia parece perfeita, não é mesmo? Todos têm oportunidades iguais e basta se esforçar para chegar a qualquer lugar: “Não conseguiu, não batalhou o suficiente”. E muitas pessoas realmente creem que isso funciona.

Uma pesquisa feita pelo British Social Attitudes mostrou que 84% dos britânicos acreditam que “trabalhar duro” é essencial. Ao mesmo tempo que 69% dos estadunidenses acham que as pessoas são recompensadas pela inteligência e habilidade, de acordo com o Brookings Institute.

Por aqui é um pouco diferente. No caso do Brasil, um recente levantamento feito pelo OXFAM mostrou que os brasileiros não acreditam na meritocracia. Fato curioso, pois livros sobre como fazer sucesso estão sempre entre best-sellers por aqui.

Embora a tese do mérito seja aceita em alguns casos, segundo Clifton, o que determina o sucesso de alguém é a sorte.

Para enfatizar esse ponto de vista, ele usa o exemplo do livro “Success and Luck” (em português o título saiu como “Sucesso & Sorte – O mito da meritocracia”), do economista norte-americano Robert Frank. Na publicação, o autor usa como exemplo o fundador da Microsoft, Bill Gates, que precisou de uma série de coincidências para chegar onde chegou, independente do esforço.

Nesse mesmo sentido, em artigo publicado no jornal O Globo, a magistrada Fernanda Orsomarzo diz não ser possível a ideia de meritocracia no Brasil pelo país ser extremamente desigual.

Ao usar exemplos como o de Joaquim Barbosa, que mesmo sendo negro chegou a ser ministro do STF e de Silvio Santos, que antes de ser dono de um canal de televisão trabalhou como camelô, só dizem a pessoas que nasceram sobre as mesmas condições que elas não se esforçaram o suficiente, o que é uma enganação, de acordo com a juíza.

Outro exemplo recente é o caso da Bettina, que tomou as redes sociais. A jovem, em uma propaganda sobre investimentos de valores, dizia ter acumulado R$1.000.000,00 do zero, só com investimentos. Foi descoberto depois que ela havia ganhado ações de seu pai e que, inclusive, a presenteou com uma ajuda financeira.

No livro Fora de Série — Outliers, o jornalista Malcolm Gladwell, mostra que até a data de nascimento pode influenciar no sucesso que você terá. Como exemplo, ele cita o hóquei canadense, em que a seleção é formada pela idade e a data limite para se candidatar é 1° de janeiro. Assim, se a pessoa completa ano depois desse dia fica de fora do time da mesma idade.

Os malefícios da meritocracia

Além de não ser verdadeira, para Clifton, toda essa ideia ainda traz outro problema. Diversas pesquisas em psicologia, neurociência e até economia mostram que crer na meritocracia faz as pessoas se tornarem mais egoístas, menos autocríticas e mais preconceituosas.

Experimentos mostram que quando as habilidades estão em jogo e a pessoa acredita que ela mereceu ter ganhado algo, ela fica mais propensa a não querer dividir o prêmio. Na prática, isso significa que em um sistema meritocrático as pessoas tendem a pensar apenas em si mesmas.

Em artigo, o psicanalista Paul Verhaeghe diz que no mercado de trabalho isso se traduz em bullying e ansiedade, já que há o medo das outras pessoas serem ameaças.

“Sociedades meritocráticas de mercado corroem autoestima. Estimulam, como defesa, superficialidade, oportunismo e mesquinhez. Tornam-nos “livres”, porém impotentes.”, escreve.

Para além disso, pesquisas sobre gratidão indicam que lembrar o papel da sorte aumenta a generosidade. Por exemplo, ao se recordar das pessoas que os ajudaram e da sorte que teve as pessoas ficam mais propensas a fazer caridade.

Nesse sentido, uma pesquisa feita na Universidade do Pais Vasco com desempregados mostrou que pessoas nessas condições tendem a deixar de lado os valores meritocráticos. No experimento, eles realizam uma tarefa e tinha que dividir a recompensa ao final; eles dividiram de forma igual, sem considerar quem se esforçou mais.

A meritocracia como valor também pode aumentar a discriminação ou o machismo. O professor de administração Emilio Castilla, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, e o sociólogo Stephen Benard, da Universidade de Indiana, descobriram que empresas que adotam a meritocracia como um valor central tem uma tendência de recompensar mais os homens do que as mulheres.

No estudo, eles concluem que isso acontece porque ao adotar a meritocracia como valor os faz crer que estão sendo justos, o que faz com que não examinem o próprio comportamento. É fácil entender o porquê disso acontecer, já que empresas que têm mais homens em cargos de comando tendem a promover mais homens.

Além de tudo isso, a meritocracia serve para justificar desigualdades. Assim, o rico está onde está porque fez por merecer e o pobre não ascende socialmente porque não se esforça o suficiente. Sem examinar a sorte presente nas conquistas diárias, fica claro porque ao falar em privilégios tanta gente se sente ofendida.

Fonte(s): Brookings, Press Princeton, Journals, Jornal GGN, Valor, Aeon, Fast Company, BSA, MSN, Estadão, Correio Braziliense, Revista Galileu, Jornal GGN, El País, Deloitte, Pragmatismo político
Thays Martins
Estudante de jornalismo, acredita que ainda existe humanidade nas pessoas. Amante de viagens, boas conversas, discutir filmes loucos e contar histórias. Não faz nada sem os fones de ouvido e tem uma playlist que vai de Anitta a Johnny Cash. Acha que a beleza está nas pequenas coisas e ainda está tentando descobrir como não enlouquecer neste mundo.

Tá na rede!

Em caso de chefe
clique aqui