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Nunca fale da sua vida perto de aparelhos ligados a internet, alertam especialistas

08 de março de 2016
Postado por Robbie Jacks

Sorria, você está sendo filmado!

Nunca uma frase soou tão assustadora, e tão real. Já estamos acostumados a termos nossos passos vigiados na rua, mas agora, a vigilância entrou em nossas casas. Ao invés de ligar a televisão para “dar uma espiadinha”, agora é ela quem nos espiona.

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A preocupação (e o medo generalizado) surgiu depois que a marca Samsung lançou uma SmartTV com comando de voz,  que permite que o usuário aposente a árdua tarefa de apertar botões no controle remoto e mude a programação no grito, assim como a Apple faz com a Siri.

É mais fácil? É. É mais divertido? É. O problema é que, lá nas letrinhas miúdas da política de privacidade, a Samsung alerta:

Por favor, esteja ciente de que se suas palavras faladas incluírem informações pessoais ou confidenciais, essas informações estarão entre os dados capturados e transmitidos a terceiros através da utilização do reconhecimento de voz.”

Opa! Medo define. Como assim aquelas discussões entre amigos calibradas com cerveja no sábado à noite serão passadas para terceiros? Quem vai querer meus dados, e para quê???

Para Marielle Kellerman, psicanalista e editora da International Psychoanlytical Studies Organization (IPSO), o mundo moderno pede que as definições de “privacidade” sejam atualizadas.

“O mundo virtual chega para borrar os limites entre o que é interno e o que é externo, o privado e o público. Hoje, predomina a ideia de que um pensamento é um post. Tudo o que se faz é publicado, e isso acaba modificando a nossa própria ideia de privacidade.”

O sistema de reconhecimento de voz não é novidade: toda vez que você liga para uma empresa e fala com um robozinho, você está usando o sistema. Ele reconhece palavras e expressões pré-programadas e as interpreta para dar ao usuário o que ele deseja.

O buraco é bem mais embaixo…

O problema é que, nas TVs da Samsung, o microfone capta não só o que você quer, mas também qualquer outra coisa dita em frente à TV, e isso pode ser um perigo, alerta Edison Fontes, consultor e gestor de Segurança da Informação e autor de livros como “Segurança da Informação: o usuário faz a diferença“.

Rigorosamente falando, o fabricante do televisor pode tratar como desejar esta informação, inclusive repassar para terceiros. A possibilidade deste vazamento de informações existe. É muito importante que existam leis que definam o que as organizações podem ou não podem fazer com as informações pessoais mas, por enquanto, teremos que nos contentar com a seriedade das empresas fabricantes de equipamentos”.

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– Cena do filme “O Show de Truman” que aborda essa vigilância continua.

Tudo que você fizer pode ser usado contra você

Não são só as televisões que captam nossa vida íntima e jogam para “sabe-se lá onde”. Já estamos tão acostumados com certas tecnologias que nem nos damos conta do quanto de informação pessoal estamos mandando.

Você já fez check-in  no Foursquare? Já gravou uma rota em um GPS? Perguntou alguma coisa à Siri? Fez alguma pesquisa no Google sobre alguma coisa e depois viu 26875 anúncios sobre a pesquisa te perseguindo em tudo quanto é site? Pois é. Tudo o que você disser e fizer pode ser usado contra você.

“Qualquer aparelho que faça captação de informação e seja inteligente, isto é, tenha memória, processador e comunicação com a internet, pode acarretar o mesmo perigo. Quando falamos em rede social, é pior ainda. Contamos nossa vida nela, e o fornecedor fica com as informações. Se eu comento de viagem, passagens de avião, com certeza receberei propaganda destes produtos. Isto é bom ou é ruim? O quanto minha privacidade foi invadida? Minhas informações estão gravadas, e um funcionário mal intencionado ou um criminoso podem quebrar os controles de segurança e ter acesso. É um grande risco”, explica Edison.

Eles nos ouvem com que frequência? O tempo todo!

Além do Google Chrome no computador, o próprio Facebook pode apresentar riscos. Assim como o Whatsapp, Telegram, Skype e o Messenger permitem gravar áudio e fazer chamadas de voz e vídeo direto do celular.

Eles, em tese, poderiam reter esses dados. Aliás, o presidente do Facebook Brasil foi até preso por conta disso, sem contar quando bloquearam o Whatsapp no Brasil, lembra?

Segundo o youtuber Matthias, o Facebook vai além. Uma função permite que o site registre qualquer áudio ambiente pelo microfone do celular, isso no momento em que o usuário está escrevendo um post. Ou seja, enquanto você escreve um textão, ao mesmo tempo que conversa com alguém ao lado, o Facebook registraria o texto e o áudio, mesmo sem você gravar nada. Tudo para melhorar seus algoritimos de publicidade.

Veja o vídeo (em inglês):

Embora o Facebook garanta que não retém essas informações, será que estamos 100% seguros? O especialista afirma que não.

Para termos certeza de que o Facebook não grava nossas conversas, seria interessante que apresentasse o parecer de uma empresa de auditoria atestando que ele não grava. Em relação ao risco de alguém interceptar essas conversas, depende da rigidez do controle de segurança que o fornecedor deste serviço diz executar. Caso o Facebook realmente criptografe as informações quando são enviadas, dificilmente um criminoso conseguirá interceptar e interpretar a mensagem. Pode até interceptar, mas não conseguirá ler.” – explica Edilson.

Como lidar com tudo isso?

Essa é a grande pergunta: “como lidar com essa sensação de que vivemos dentro de um grande Big Brother, sendo vigiados o tempo todo?” Para a psicanalista Dra. Kellerman, é preciso tempo para se adaptar às novas tecnologias.

“A primeira reação das pessoas é de medo: medo de se sentir invadido, vigiado, medo de terem suas informações roubadas, mas isso é normal. Em alguns casos, isso pode desencadear um afastamento dos meios eletrônicos. No entanto, o ser humano é adaptável. Do mesmo modo que já estamos programados a tomar certos cuidados para evitar a violência nas ruas, por exemplo, teremos o mesmo cuidado com os aparelhos eletrônicos. Assim que nos adaptarmos às novas tecnologias, poderemos escolher se a queremos ou não em nossas vidas”, diz a especialista.

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Como se proteger, sem pirar?

“Desligar a TV” poderia até ser uma solução, mas o fato é que, hoje, a tecnologia e seus perigos estão em todos os lugares, com hackers invadindo desde videogames para roubar dados  até babás eletrônicas só para xingar bebês (!). Para o especialista, o importante é não surtar.

“Não vamos ficar neuróticos pensando que todas as babas eletrônicas estão sendo invadidas e os hackers estão coletando o choro dos bebês, ou os tarados estão vendo as mamães dando de mamar. Mesmo que um aparelho possa ser invadido, não quer dizer que será, afirma Edison Fontes.

Já no caso Samsung, mesmo que você desligue o comando de voz da sua SmartTV, ela ainda poderá capturar suas conversas. Ainda não existe uma lei que restrinja o uso de dados coletados dessa maneira, embora a Samsung garanta, assim como o Facebook, que não retém nem vende as informações para outras empresas.

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Segurança não combina com facilidade. Quanto mais segurança, menos facilidade. Quanto mais facilidade, menos segurança. O que é importante é que o consumidor seja alertado sobre o que acontece quando ele utiliza certas funções”, explica Edison.

A psicanalista concorda:

Não acredito que as pessoas fiquem mais ou menos paranoicas por causa da tecnologia. Geralmente, elas pendem para o lado do conforto, ou seja, elas podem até ter seus dados roubados, seus cartões clonados, mas a praticidade de fazer compras online, por exemplo, fala mais alto.”

4 Dicas do especialista

Mas, como ninguém aqui quer financiar home theater de malandro, o especialista Edison Fontes dá os caminhos para proteger suas informações:

1. Tenha cuidado com o que divulga

“Cuidado com as informações que disponibiliza nas redes sociais, nos cadastros fornecido para qualquer empresa, ou qualquer informação pedida por e-mail, e até conversas em voz alta. Quem já não ouviu uma conversa de outra pessoa falando no celular? As pessoas falam alto, todos ouvem. Precisamos nos educar a tratar com sigilo, nossas informações“.

2. Exija o cumprimento das leis

“Com relação às informações que estão nos grandes bancos de dados do governo e das grandes empresas, não temos escapatória. Dizem que na Praça da Sé em São Paulo, ou na Rua Santa Efigência, se compra bases de dados contendo os dados dos contribuintes do Imposto de Renda. Reportagens de TV mostram compras de senhas de acesso ao sistema do Ministério da Justiça, um do mais poderosos sistemas de informações sobre o cidadão. O que podemos fazer é exigir leis e punição para quem não as cumprir“.

3. Cuidado com as compras online

Ao navegar na internet, o usuário deve se proteger se relacionando apenas com sites que apresentem aspectos de segurança. Existem alguns selos que garantem que os locais são seguros mas, mesmo assim, ele não deve fornecer informações facilmente. Será que você realmente precisa fornecer aquela informação?

Ao comprar na internet, evite fornecer os dados do seu cartão de crédito. Atualmente existem algumas boas soluções. Eu destaco a carteira digital, como o Paypal e o Stelo. Este serviço protege muito bem os dados do usuário. A empresa vendedora recebe o dinheiro e não fica sabendo dos dados do dono do cartão”.

4. Prevenir é melhor do que remediar

É importante que o usuário não fique paranoico em relação à privacidade, porém ele deve estar ciente e atento aos riscos. Na grande maioria das vezes, os problemas ocorrem porque o usuário foi negligente com seus dados. Tenho um amigo, com excelente conhecimento técnico, que coloca no seu notebook uma vedação na câmera. Sua justificativa é a de que se a câmera existe, ela pode ser ativada sem que ele saiba e filme suas atividades. “Seria um exagero de segurança?”, perguntei. Ele respondeu: “Eu faço assim. Você faz como quiser””.

Imagem de capa: dailymail

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