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Leminski: O Poeta genial agora é Pop, só agora

27 de agosto de 2013
Postado por Roberto Amado

Se você o encontrasse na rua, dificilmente acreditaria que aquele sujeito bigodudo, com cara de cantor de mariachi, faltando só o sombrero mexicano, fosse um poeta brilhante. Esse é Paulo Leminski, um desses fenômenos fora da curva que de vez em quando despontam aqui e ali. Sempre de maneira surpreendente, trafegando entre a exclusão social e a exaltação generalizada.

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Encontrei-o certa vez, em Curitiba, nos anos 1980. Éramos ambos jurados de um concurso literário obscuro, de vaga lembrança. Sem que ainda tivéssemos tido algum contato pessoal, sentamo-nos em roda com mais uma dezena de pessoas e começamos a ouvir um blá-blá-blá sobre os conceitos educacionais do tal concurso, algo muito desconfortável para se ouvir numa tarde de sábado ensolarado em Curitiba. De repente cruzo um olhar com aquele bigodudo. Ele aponta pra mim e, com o dedão, faz aquele sinal inequívoco de quem convida para beber. Eu respondo com outro sinal, positivo.

Não nos conhecíamos, apenas de nome. Num boteco de esquina, permanecemos as 12 horas seguintes, acompanhados de algumas muitas cervejas e livros. E o papo não tinha limites: literatura, mulheres, poesia, jornalismo, mulheres, política,  cultura em geral. E claro, mulheres. Leminski parecia já ter passado por tudo na vida: viveu em comunidade hippie, escreveu letras de música, participou do tropicalismo, deu aulas de judô, foi diretor de criação de agência publicitária. Trocamos nossos livros.

Anos depois, ele apareceu na TV Bandeirantes como comentarista, revolvendo seus agudos bigodes para um público que não entendia nada do que ele falava — digressões agudas que, se não devidamente acompanhadas, pareciam não ter pé nem cabeça.

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Daí em 1989, ele morreu, antes de completar 45 anos. Mais de vinte anos depois, seu livro, “Toda Poesia”, uma coletânea selecionada por suas filhas e sua ex-mulher, a também poetisa Alice Ruiz, vem bombando nas livrarias como uma espécie de best-seller tardio.

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Poeta sempre admirado por leitores pouco convencionais, Leminski ressurge agora não só em livro, mas como uma espécie de sábio das palavras das redes sociais, nas quais é citado em fragmentos — de maneira justa, é verdade, afinal era um emérito frasista. “Haja ontem para tanto hoje”, diz uma de suas sacadas históricas.

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(facebook.com/pages/Paulo-Leminski)

Inteligentíssimo, agudo, inspirado e bem humorado, Leminski produziu uma obra vasta e quase completamente desconhecida. Nela, sobrevém uma rebeldia juvenil, sapeca, e, ao mesmo tempo, uma angústia existencial em que sequer poupa-se a si mesmo: “Esta língua não é minha/qualquer um percebe./Quem sabe maldigo mentiras,/vai ver que só minto verdades.”, diz o poema “Invernáculo”, uma de suas muitas pérolas.

Foi ele, por exemplo, quem trouxe a forma brasileira dos haikais, poemas japoneses nos quais prevalecem a concisão da forma e das ideias. Nada mais adequado para ele. Em poucas linhas, Leminski resumia um universo, na mais pura expressão de síntese poética em apenas três versos.

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De poeta alternativo, com pouca expressão nos números de venda, Leminski agora virou pop. Suas frases aparecem do nada, saltitando sabedoria nas redes sociais, nos blogs e nos spamns da vida. É justo. Ele certamente faria uma piada sobre isso, tomaria um gole de cerveja gelada e rabiscaria alguns versos pertinentes. Como, de fato, escreveu:

Não discuto
com o destino

o que pintar
eu assino

 

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