Esquece as paquitas e os jogadores de futebol.

O novo sonho de todo brasileiro é ser dançarino do Trenzinho Carreta Furacão.

O fenômeno que arrebatou nossos corações é tema central de memes em qualquer rede social, não tem para onde fugir. Basta abrir o facebook para dar de cara com o Fofão e suas piruetas, ou o Capitão América rebolativo. Sem contar os outros integrantes igualmente divertidos, como o Popeye, Mickey e Palhaço.

Dissecamos a internet, fomos atrás dos envolvidos, para preparar um dossiê completo desde o nascimento, até a ascensão dessa trupe. E no final descobrimos que tudo isso pode ser um verdadeiro pesadelo… pelo menos para os dançarinos.

Fique com medo… Com muito medo.

Convocamos todos os passageiros a embarcarem nesse vagão e viajarem com a gente nessa história animada (e bastante polêmica).

O Despertar da Força

O ano era 2004 e o lugar, Ribeirão Preto. Interior do estado de São Paulo. Fabiana Cardoni conversa com seu marido, Welington Cardoni, sobre a possibilidade deles investirem em um trenzinho, muito comuns na cidade.

Logo depois, juntos, o casal pariu a empresa de festas Dominiun Trenzinhos.

>> Os trenzinhos são carretas e caminhões que têm sua carroceria adaptada para carregar pessoas, como uma espécie de vagão, que pode ter um ou dois andares. Acredita-se que eles tenham se disseminado pelo país após 1956, quando o pioneiro, Trenzinho Caipira, dava voltas no Ibirapuera, em São Paulo. <<

>> Só na década de 70 eles se tornaram parecidos com os trenzinhos de hoje, coloridos, iluminados e com potentes aparelhos de som, o que faz com que em muitas cidades eles funcionem como “baladas” itinerantes sempre acompanhadas de dançarinos fantasiados. <<

O ano é 2010, Fabiana e Wellington compram seu segundo trenzinho. É então que a humanidade testemunha o crepúsculo da Carreta Furacão.

Uma Nova Esperança

Em 2010 teve terremoto no Haiti em janeiro, terremoto no Chile em fevereiro e em março teve o primeiro registro de furacão no Brasil.

Carreta furacão ontein a noit. Só funck 🙁 , mais alguns ” batidões ” até que iam mais os outros eram muito phodas …

Ameey

— Juuh Silva 🙂 (@_JubPorto_) March 15, 2010

Em 25 de agosto do mesmo ano, o YouTube recebia em seu banco de dados apenas mais um registro nesse oceano de gravações.

Mal sabíamos que aquele registro iria se tornar um ícone global:

O Brasil teve que esperar até 28 de janeiro de 2011, no auge do tédio de um ano com carnaval em março, para que uma alma iluminada e generosa fizesse um twitte que mudaria para sempre e definitivamente a história do nosso país.

mano, toh vendo trenzinho carreta furacão aqui, mano não tem como não rir disso uhasuhsauhsauhsauhsahu http://youtu.be/gV9Gjyl5kOs

— UrSoLLiNo (@UrSoLLiNo) 29 de enero de 2011

Não havia mais como voltar atrás.

A Ascensão do Império

No dia 2 de fevereiro de 2011 o Twitter foi abaixo ao assistir ao vídeo dos dançarinos da Carreta Furacão. Se para alguns os clones subdesenvolvidos de astros consagrados do público infantil assustava, para outros, tamanha vanguarda com um senso estético tão peculiar era digna de orgulho do povo brasileiro.

O mar de opiniões estava completamente dividido assistindo o trenzinho passar quando o site de notícias do mundo web, YouPix, publicou o vídeo, no dia 2 de fevereiro com o título “Estão matando a nossa infância”, mas 2 dias depois votou atrás.

Obrigada internet por nos proporcionar o “Trenzinho Carreta Furacão”: http://ow.ly/3Qfr0

— youPIX (@youpix) 4 de febrero de 2011

Popeye, Fofão, Capitão América, Mickey e Palhaço haviam alcançado o estrelato: 300 mil visualizações no YouTube (sim, isso já foi muito).

Que dias de glória, senhores. 13 de fevereiro de 2011, esse foi “O” dia.

O Programa Pânico na TV foi buscar em Ribeirão Preto a ainda misteriosa Carreta Furacão e rompeu de vez as barreiras da internet, colocando esse fenômeno dentro das casas, em todo o Brasil.

1 de maio de 2011, enquanto o mundo estava chocado com a morte de Osama Bin Laden, o Brasil parou para assistir, pela primeira vez ao vivo no Programa da Eliana.

O auge da trupe naquele momento, levantando a audiência em pleno domingo na TV aberta.

Meses depois, em agosto do mesmo ano, foi a vez dos 5 personagens participarem do reality show Qual o Seu Talento, também no SBT, mas nossos heróis foram desclassificados.

Faltou talento? Seria o princípio do fim?

A Ameaça Fantasma

Nos dias que se seguiram após a participação no reality, os holofotes se apagaram e o que restou foi a dura volta a realidade de todos os demais trenzinhos do Brasil.

Eu vou voltar e vou te achar

Os dançarinos que encarnam esses personagens voltaram a sua rotina maluca e perigosa, entre rebolados e movimentos de “Parkour”. Com aval dos empresários, voltaram a colocar sua integridade física em risco, correndo atrás dos trenzinhos, desviando de carros, ciclistas e obstáculos urbanos. Quanto mais, sempre melhor. Afinal, é disso que o povo go$ta.

“O sucesso dos vídeos, no entanto, ainda não trouxe um retorno desejado, de acordo com o dono da empresa. Mas com mais divulgação e com passos de dança engraçados, Cardoni acredita que essa história ainda pode mudar” – G1 (02/2011)

Vamos dar um salto no tempo…

O site Risca Faca fez uma matéria, em novembro de 2015, sobre os trenzinhos de Ribeirão, constatando que os dançarinos menos conhecidos ganhavam cerca de R$ 7,00 por apresentação, um montante de R$60,00 por fim de semana.

Abril de 2016. Nossa reportagem encontrou fontes próximas a eles que nos revelaram alguns detalhes nada divertidos. O olho do furacão era bem mais embaixo.

Os ganhos do Capitão América, Popeye, Fofão, Palhaço e Mickey, são praticamente nulos, mesmo com todo o sucesso, obrigando todos os integrantes a manterem outros empregos durante os dias úteis para fechar as contas do mês. Da mesma forma que outros integrantes dos trenzinhos da cidade.

Ribeirão Preto possui uma Associação de Trenzinhos, com 14 empresas, criada para proteger os donos das carretas e não os seus dançarinos, estes que vem de regiões pobres da cidade e muitas vezes investem do seu próprio bolso para poderem dançar.

Mas, minha querida, aqui não é O País das Maravilhas e você não é a Alice

Para ser integrante de um trenzinho não basta saber dançar, precisa investir. É necessário ter uma fantasia própria, ou melhor, uma máscara – que nada mais é que um isopor esculpido e coberto por fibra de vidro. O custo? R$250,00.

Muitos não usam a fantasia completa, mas os dançarinos mais exigentes podem fazer suas camisetas e macacões, costurados por Tânia Cardoso, por R$50,00, as cópias nem um pouco fiéis dos figurinos dos seus personagens.

Ou seja, trabalham 5 semanas “de graça” só para participar dos trenzinhos.

O Ataque dos Clones

Depois da participação no SBT, a trupe continuou trabalhando bravamente, mas fora dos holofotes. Nesse período nebuloso nossos heróis tiveram que se superar para ganhar destaque. Como dito anteriormente, quanto mais risco corriam, mais aplausos, estes que eram incentivados pelos donos da carreta.

Você já deve ter visto algum vídeo dos acidentes com dançarinos dos trenzinhos. Sem vínculo empregatício e sem plano de saúde, quando os ferimentos são mais graves eles são conduzidos para hospitais públicos, sem maior suporte. Que engraçado, não? Não.

Manobras arriscadas, coreografias ousadas e muita rivalidade entre os dançarinos de outra trupe são de praxe. Com a quantidade de trenzinhos que circulam pela cidade de Ribeirão Preto é praticamente inevitável que hajam encontros, e quando eles acontecem, algumas vezes, é treta.

>> No vídeo, a briga não envolve os dançarinos da Carreta Furacão. <<

A busca constante por ser o melhor, faz com que o risco seja ainda mais valorizado, quanto mais ousado é um dançarino, mais fama ele alcança e mais gente pega esse trem.

Bom para o ego do artista, melhor ainda para o bolso do dono.

Mas toda essa ousadia, muitas vezes custa caro, como no famoso atropelamento do Popeye ou na queda do lendário Fofão pula muro.

Esses e outros acidentes geraram posts falando que nossos heróis sofriam de uma maldição durante seu ostracismo, como nessa matéria do Não Salvo.

Maldição, um novo nome para exploração?

O Retorno de Jedi

2015, ano que preparou a reviravolta na biografia do trenzinho mais amado do Brasil.

O mês era maio, muita gente já havia quase esquecido da existência da trupe, quando Mark Zuckerberg, criador do Facebook, preparou o terreno para a volta triunfal da pura nata artística vanguardista brasileira: finalmente os GIFs animados foram liberados na rede!

– Meu nome é Fofão. Eu gosto de escalar muros todos os dias.

Timidamente, a carreta furacão foi voltando aos holofotes da internet, quando mais dois acontecimentos específicos consolidariam essa volta triunfante em 2016.

Um evento criado no Facebook, chamado “Carreta Furacão World Tour – São Paulo“, já conta com quase 100 mil confirmações e não só funciona como um incrível catalizador de memes e GIFs da trupe, mas também gerou a criação de eventos similares em quase todas as capitais brasileiras.

Além disso, no fim do mesmo ano, o lançamento do trailer do filme “Guerra Civil”, terceiro da franquia com o Capitão América, gerou mais um meme de sucesso. Incluindo publicações na famosa rede colaborativa 9gag, fazendo com que o mundo escolhesse seu lado nessa guerra.

Depois disso, provavelmente o feed de notícias do seu Facebook nunca mais foi o mesmo.

Em meio a comoção, um usuário do Mercado Livre postou um produto que provavelmente se tornaria o clichê das cartinhas para o Papai Noel nesse natal, mas o produto não existe, para nosso desespero.

A cereja do bolo de toda essa história ainda estava por vir, em março de 2016.

Um game para celular, o “Carreta Furacão – The Legend” foi lançado. Lá, você guia os personagens atrás do trenzinho e desvia de obstáculos como ciclistas, disponível apenas para Android – repare na trilha sonora, apenas maravilhosa.

O Império Contra-Ataca

12 de Abril, a última bomba – até a publicação dessa matéria. Segundo matéria publicada no UOL, domingo, 17 de abril, a Carreta Furacão participaria das manifestações pró-impeachment na Avenida Paulista, financiados pela MBL.

Houve um enorme descontentamento dos integrantes por conta desse evento. Ao que tudo indica, eles não receberiam cachê por isso, apenas a hospedagem e a viagem. Enquanto isso, o criador do personagem Fofão já se manifestou contra, proibindo o uso da fantasia no evento.

Os dançarinos, mesmo brilhando na internet e com pedidos de apresentações por todo o Brasil, continuam na mesma. Sendo mal remunerados. Ou simplesmente sem receberem nada.

Tentamos convencer os dançarinos a falar a respeito de seus cachês para essa matéria, mas não obtivemos resposta – a gente entende, pessoal. Ao entrar em contato com os empresários, Welington e Fabiana, a resposta foi que só dariam entrevistas mediante cachê – coisa feia, né gente?

Fato curioso: fomos informados que cachês de entrevista nunca são repassados para o grupo.

Welington e Fabiana exibem seu rosto com facilidade, mas mantém a identidade dos criadores das coreografias e manobras escondida. Mas isso foi só até agora.

Uma História do Carreta Furacão

Dia 13 de abril de 2016.

A revelação, quem são os heróis por trás das fantasias.

Capitão América: Pretin Ignacio, vidraceiro.

Fofão: Lucas Mateus Spirito, vendedor de pneus.

Popeye: Cléber Rafael, desempregado.

Palhaço: Alex Silva, profissão não revelada.

Mickey: Davidson Bruno, profissão não revelada.

Fonte(s): Risca Faca, Revide, Não Salvo, Jesus Maneiro, Buzzfeed, G1, R7, Brasil Post, Ah Negão!, 9 Gag