Gorda, Feminista e do Bar
Há quase 28 anos carrego o fardo da opressão e do preconceito.
Um histórico de oscilações de peso assustadoras, uma depressão crônica que – sinceramente – não sei se tem cura, questões familiares muito sérias relacionadas à discriminação e vários bloqueios, resultantes das crenças que adquiri e internalizei, à medida que fui vivenciando experiências traumatizantes social e profissionalmente, sem contar a vida amorosa e sexual.
Ser mulher é estar exposta ao machismo e ouvir opiniões não solicitadas o tempo inteiro. Ser gorda é sinônimo de sentir a repulsa e discriminação na pele, de forma implícita e também escancarada. E acumular essas duas opressões têm sido sinônimo de inferno pessoal pra mim.
É se infiltrar na bolha de proteção ilusória que criamos – necessária pra sobreviver, mas que a médio e longo prazo nada resolvem. Pelo contrário, nos deixam levemente alienadas e conformadas com um mundo utópico (justo, livre e nada segregador) que só existe no fantástico mundo das minhas idealizações.
É ter de “adaptar” (ou seria forjar?) a minha personalidade, de modo que aquilo que é visto como falta de atributos físicos seja “compensado” de outra forma: com bom humor, uma alegria forjada, excesso de bondade, ocasionados pela submissão e desejo de ser aceita, por ser indesejada sem pretextos, no mínimo, razoáveis.
É viver em um mundo que não foi feito para o seu tamanho.
Ter o seu direito de ir e vir negado.
Pensar minuciosamente em quais lugares irá frequentar. Pegar táxi em vez de ônibus, pra evitar a humilhação de ficar entalada na catraca e o cobrador ter que dar “aquela força” pra roleta girar. Fazer malabarismo dentro da sala de cinema (fingindo não perceber o desconforto que as pessoas demonstram ao estar do seu lado), travar o corpo ao sentar em cadeiras nos locais públicos, com medo de quebrá-las.
É ouvir sempre as mesmas perguntas: “está grávida de quantos meses?” “Porque você não vai pra um SPA?” “Já pensou em tomar Sibutramina?” “Fazer uma cirurgia é uma opção válida, já cogitou a possibilidade?” “Você faz uso de Fluoxetina? Me ajudou tanto”. “Tenho uma prima que fez uma dieta ótima e perdeu sete quilos em um mês, quer conversar com ela?” “A senhora gostaria de conhecer os produtos Herbalife?” “Quer emagrecer? Pergunte-me como!”.
O problema não são os remédios, os métodos cirúrgicos, as dietas hipocalóricas e todas as outras maneiras convencionalmente utilizadas para eliminar os quilos extras. O que adoece, degrada e mata é essa pressão.
A necessidade que a sociedade tem de impor o que é melhor pra pessoa gorda. Os homens também passam por essa pressão, entretanto, por conta do machismo institucionalizado, as mulheres são mais cobradas a estarem próximas do padrão.
Homens com barriga de chope são até aceitáveis. Mulheres são relaxadas, sem vaidade, fadadas a serem abandonadas pelo namorado ou marido. Porque, claro, a coisa mais importante da vida delas é ter um macho ao seu lado – é o que dizem. Mas e quando elas são completamente privadas da vida afetiva?
Nos relacionamentos, ser gorda é sinônimo de solidão amorosa. De ser a mina “prêmio” dos amigos que perderam aquela aposta. De ser pega somente no fim da festa, naquele cantinho bem escuro. De ser descartada caso não tope sexo na primeira noite e de ser utilizada como masturbação terceirizada, sem direito a nenhum prazer. “Orgasmo? O que é isso?” “Namoro? Desconheço completamente o que é viver essa experiência!” “Carinho, cuidado, atenção? Só se for na Terra dos Unicórnios”.
Ser mulher e gorda é algo impossível de conceituar. Os exemplos não param por aí. A gordofobia renderia uma tese de mestrado. É como se os corpos (femininos, principalmente) com IMC maior que 25 fossem públicos e estivessem expostos em vitrines como objetos excêntricos, dignos de rechaço. Como se fôssemos aberrações da natureza.
Só que somos exatamente o oposto disso. Humanas e dignas de respeito, assim como as minas “maromba fit” e as dançarinas gostosas dos clipes musicais.