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Devemos ferver o feijão com a tampa aberta?

23 de novembro de 2022
Postado por Bruno Oliveira

O criador de conteúdo sobre cozinha vegana, Matheus Rocha, ensinou um truque interessante que nos levou a pensar que a espuma do feijão seria a protagonista dos desconfortos intestinais causados pela ingestão desse alimento. Acreditávamos que os fitatos do feijão seriam os protagonistas da geração de gases no intestino.

No entanto, o pessoal do projeto de divulgação científica, Nunca Vi 1 Cientista nos fez pensar o contrário. A espuma, na verdade, é inofensiva. Em vez disso, os gases que causam desconfortos intestinais são liberados pela ingestão de uma substância chamada rafinose, presente naturalmente no feijão.

Neste artigo, além de testar o truque do Matheus, nós também vamos tentar entender melhor como funciona a dinâmica que acarreta na má digestão do nosso feijão de cada dia: Será Que Funciona?

 

Teste: fervendo o feijão sem a tampa para remover fitatos

Primeiro, vale dizer que o feijão que usamos no teste foi o feijão do tipo preto, daqueles que a gente usa para fazer feijoada.

 

Também é importante dizer que o feijão que usamos já havia passado pelo processo de remolho, ao ficar imerso na água por pelo menos 12 horas; vale citar que essa água deve ser trocada trocada, como recomendado.

 

Logo depois de trocar a água pela segunda vez, levamos a panela com feijão para o fogão e esperamos ferver. Em pouco tempo uma camada grossa de espuma se formou na superfície, confirmando, pelo menos inicialmente, a teoria do autor.

 

Por fim, com a espuma toda na superfície, fica muito fácil removê-la. Nós usamos uma espátula mas você pode usar uma colher, a concha do feijão, tanto faz. Segundo o autor, o que importa é não cozinhar o feijão com essa espuma lá dentro.

 

Resultado: ferver o feijão depois do remolho elimina toxinas?

Resposta rápida: sim… mas não é necessário.

Nós já falamos sobre esse assunto por aqui, mas é sempre importante relembrar. Deixar o feijão de molho por um período entre 8 a 48 horas é importante, pois o feijão contém substâncias (fitatos) que inibem a absorção dos seus nutrientes pelo nosso organismo, os famosos antinutrientes. Isso vale para todas as leguminosas.

Entretanto, de acordo com a chef de cozinha Carolina Garofani, se você já fez o remolho corretamente, esse processo todo vai fazer com que o alimento sofra em sabor, consistência e apresentação em troca de uma redução de antinutrientes muito baixa:

“Vai expelir mais fitatos, os últimos, mas é preciosismo. Seu feijão vai ficar com menos sabor, vai ficar mais sem graça, vai fazer menos caldo e vai ficar mais molenga e grudento. Não precisa tanto.”

Em outras palavras, a não ser que você não tenha deixado o feijão de molho na água por pelo menos 8 horas, a redução de toxinas liberadas por esse método é irrisível.

E caso você não tenha notado, a chef não confirma que a espuma é a responsável pelos gases. Mas então, o que seria? Falaremos mais sobre isso em breve.

 

O que precisamos saber sobre a espuma do feijão

1. Do que é feita a espuma do feijão?

A espuma formada ao cozinhar feijão é composta de amido, proteínas e açúcares, e segundo artigo publicado no site Kitchnn, especializado em Gastronomia, é segura para consumo. Vale dizer que algumas proteínas formam espuma com facilidade como as proteínas presentes no leite, soja e na clara de ovo.

O artigo também explica que outra substância presente na espuma do feijão é a saponina, um tipo de açúcar. No entanto, as saponinas são solúveis em água e são geralmente reduzidas durante o processo de cozimento dos feijões, especialmente se forem enlatados.

A saponina também tem uma característica hidrofóbica, o que faz com que ela vire uma espuma também.  Ou seja, tanto a proteína quanto a saponina são substâncias que produzem espuma com facilidade. Logo, temos a receita perfeita para a espuma do feijão.

Além disso, algumas pessoas acreditam que a saponina pode ter benefícios para a saúde, como ajudar a reduzir o colesterol. Ou seja, ao contrário do que imaginávamos a espuma do feijão não é tão vilã assim.

2. Como a espuma do feijão se forma?

A espuma do feijão é formada durante o cozimento por conta de substâncias solúveis em água, como as proteínas e a saponina que mencionamos, que se misturam e formam bolhas de ar.

De acordo com estudo publicado pela UFG, quando o feijão é cozido, esses compostos são diluídos formam essa espuma. A espuma também pode ser formada pelo movimento do líquido durante o cozimento e pela quantidade de impurezas e sujeira presentes nos grãos de feijão.

3. A espuma do feijão causa gases?

Não há evidências científicas que comprovem que a espuma do feijão seja a causadora de gases. Na verdade, os gases são produzidos pela fermentação dos carboidratos que não foram completamente digeridos no intestino delgado. Continue lendo para saber mais.

 

O que gera flatulência quando comemos feijão?

O feijão é um alimento rico em nutrientes como proteínas, fibras e carboidratos. No entanto, ele também contém açúcares como a rafinose, esse sim é responsável por causar flatulência e desconforto gastrointestinal em algumas pessoas.

Segundo publicação no site Science Notes, isso ocorre porque nossos corpos não produzem uma enzima específica para quebrar a rafinose, deixando as bactérias intestinais fazerem o trabalho. Quando as bactérias fermentam a rafinose no intestino grosso, elas produzem gases que, quando gerados em excesso, podem causar desconfortos intestinais.

1. Como agem essas bactérias

O nosso intestino tem bactérias conhecidas como bactérias fermentadoras. De acordo com artigo publicado no portal AbcMed, elas são capazes de decompor a rafinose por meio da fermentação, processo pelo qual a rafinose é convertida em ácido acético, ácido lático e gases como dióxido de carbono, hidrogênio e até metano.

Esses gases podem causar flatulência e desconforto abdominal. Além disso, as bactérias fermentadoras também são benéficas para a saúde intestinal, pois ajudam a produzir ácidos graxos de cadeia curta que são importantes para a manutenção do equilíbrio da microbiota intestinal e da função intestinal adequada.

2. Como se livrar da rafinose do feijão

A má notícia é que não é possível eliminar completamente a rafinose do feijão. Porém, é possível reduzir sua quantidade através do processo de remolho.

Ou seja, uma forma de reduzir a quantidade de rafinose no feijão e, consequentemente, minimizar a produção de gases intestinais, é deixando o feijão de molho na água antes de cozir. Além de trocar a água, é claro.

Durante a germinação que ocorre no remolho, a maior parte da rafinose é diluída na água juntamente com outros compostos como o fitato. Dessa forma, ao descartar a água utilizada no remolho e utilizar água fresca para cozinhar o feijão, é possível reduzir a quantidade de rafinose presente no alimento e torná-lo mais fácil de ser digerido.

 

O que a galera achou desta dica

Nossos seguidores nos contaram um pouco sobre o que eles acham de ferver o feijão mesmo depois de ter feito o remolho:

“Tem problema NENHUM consumir essa espuma; o que pode acontecer eventualmente é isso entupir alguma válvula da panela de pressão se tiver pedacinhos da pele do feijão em suspensão.”, sugere Renata Octaviani em nosso Instagram.

“A qualidade do feijão também influencia no desconforto, um bom feijão não faz mal mesmo sem fazer nada disso.”, explica Marcio Silveira em nosso TikTok.

“Minha mãe faz esse processo, mesmo deixando de molho de um dia pro outro, pois ela é renal crônico.”, disse Tati Julio em nossa página no Facebook.

“Eu faço isso com grão de bico também e outra dica maravilhosa é sempre usar folha de louro no cozimento do feijão, isso ajuda muito na digestão do feijão e não causa aquela sensação de estufamento.”, sugere Rosilene Lopes em nosso canal no Youtube.

 

O que aprendemos com esse teste

  • Ferver o feijão depois do remolho pode eliminar toxinas, mas não é necessário.
  • O processo de remolho tradicional é o mais eficiente para remover a maioria das toxinas do feijão;
  • Ferver o feijão depois do remolho pode fazer com que ele fique menos atrativo e gostoso;
  • A espuma não é responsável por gerar desconfortos intestinais e sim a rafinose, um açúcar presente no feijão.

UFG, Sci ELO, FURG

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