Especialistas revelam quais substâncias bizarras estão misturadas nas drogas de rua
É praticamente impossível conhecer alguém que nunca tenha feito uso de drogas pelo menos uma vez na vida.
A vizinha que toma remédios controlados, o tio que entorta os caneco no boteco, o primo que curte um baseadinho, ou até a prima viciada em cigarros e café.
A diferença é que as substâncias lícitas têm a sua composição testada e controlada, garantindo a “segurança” de seus usuários, enquanto a mistura das ilícitas, como é descontrolada, choca qualquer um.
A maconha que não chapa, o pó com cheiro de talco, o docinho que bateu errado e fez o coração pular do peito estão aí e não me deixam mentir.
Nós conversamos com especialistas e usuários para ter uma ideia do que vem misturado nesses “quitutes” ilegais e o que ouvimos foi assustador. Olha só:
O que tem misturado?
Acredite, de um tudo.
“As ‘drogas de rua’ são vendidas sem que o usuário saiba o que está comprando e muitas vezes sem que o traficante conheça o que está vendendo. A maioria das drogas possui adulterantes, contaminantes e/ou impurezas, além dos componentes ativos.” – revela a Doutora em toxicologia, Rachel Bulcão.
Para Diego, usuário de cocaína que nos cedeu entrevista mas não quis ter seu nome real publicado, é bem possível que na droga vendida nas bocas de grandes metrópoles, não tenha droga nenhuma.
“Uma vez comprei três pinos de cocaína numa boca conhecida da região central de São Paulo, só minutos mais tarde, quando fui usar, me dei conta que na verdade havia comprado as gramas de sal mais caras do mundo.” relata o jovem de 28 anos.
Já o psicólogo do Programa Braços Abertos na Cracolândia, Dr. Hugo Winter, que trabalha com redução de danos, relata que essas substâncias desconhecidas dificultam até o trabalho da medicina, no tratamento dos viciados.
“Além dos riscos causados pelas substâncias em si e efeitos como “overdose” ou “bad trip”, que podem ser identificados e tratados, observamos outras reações adversas em usuários de drogas, de difícil identificação e que, por consequência, dificultam o tratamento” – comenta.
Para ilustrar bem essa situação, montamos uma lista com algumas droguinhas e o tipo de substâncias que são usadas na sua composição. Vem com a gente ver os “brindes” bizarros que acompanham as “dorgas” da nossa sociedade.
1. Cigarro contrabandeado
A gente sabe que o cigarro possui 4.700 toxinas, mas resíduos de baratas, pelos de ratos, insetos e inseticidas são apenas algumas das substâncias encontradas nos cigarros contrabandeados, segundo uma pesquisa realizada em 2011 e publicada pelo G1.
“Um estudo de 2014, constatou a presença em cigarros apreendidos, de valores até onze vezes maiores que o permitido, para metais muito tóxicos e cancerígenos como o Cromo, Níquel, Chumbo e Cádmio. Um em cada 4 cigarros consumidos no Brasil é originário do contrabando, e esses cigarros não possuem qualquer controle de qualidade, podendo apresentar risco em potencial aos seus consumidores, incluindo vários tipos de câncer, problemas cardíacos e pulmonares”, informa Dra. Bulcão.
Fumante desde os 16 anos, Amanda (nome fictício), agora com 32, revela que já se sentiu mal ao fumar um cigarro “pirata”.
“Era um desses dias em que eu precisa fumar, mas estava sem grana e acabei comprando um cigarrinho solto de um câmelo na frente do metrô. Ao acender, senti um gosto diferente, e o cigarro estava consideravelmente mais forte. Como era da mesma marca que eu fumava há anos e estava realmente necessitada de uma nicotina, continuei fumando. Em no máximo 4 tragadas, fiquei muito enjoada e comecei a ter ânsias, achei até que fosse desmaiar. Não é exagero, foi péssimo”. – declarou.
2. Cocaína
Imagine você que entre o agricultor de coca, o helicóptero cheio de pó e o traficante na favela existem vários redistribuidores que adicionam substâncias a cada etapa em que a droga é repassada para que ela pese mais – o que diminui a qualidade do “produto”.
Fernando (nome fictício), de 31 anos, já passou por algumas situações no seu consumo de pó, e quando perguntado sobre a qualidade do produto, ele foi enfático à nossa entrevista:
“Cocaína na rua? Risos. Acho que você deve estar falando de bicarbonato de sódio, né?” – brincou o rapaz.
Segundo dados de um relatório da UNODC – Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crimes, no Brasil a ‘cocaína de rua’ é ofertada com pureza de 15 a 36%”.
Além de substâncias como cafeína, Salbutamol, Verapamil, Levamesole e Hidroxizina, que, de acordo com o blog Usuário Consciente, são utilizadas para simular os efeitos da droga, a sua carreirinha certamente estará batizada com fermento em pó, bicarbonado de sódio e pó de mármore, como revelou uma matéria do R7.
Quando mais nova, Mariana (nome fictício) de 31 anos foi usuária assídua de cocaína, e revelou uma curiosidade que acontecia entre seu grupo de amigos.
“Nós cheiravámos quase sempre e era comum aparecerem feridinhas na parte interna do nosso nariz no dia seguinte à um pó ruim. A gente não parava de comprar porque era meio um lance de sorte. Tinha dias que a cocaína era boa, mas em outros, prefiro nem tentar descobrir o que tinha lá dentro”. – conta a garota, que não faz mais uso da droga.
Segundo o relatório da UNODC, essas misturas na droga podem causar danos como arritmia cardíaca, irritabilidade, insônia, isquemia do miocárdio, vertigem, fraqueza, nervosismo, hipotensão ortostática, cefaléia, febre alta, inchaço dos gânglios linfáticos, lesões dolorosas na mucosa da boca e ânus, infecções de repetição, sonolência, convulsões tremores e agitação.
Não, isso não é uma música dos Titãs.
3. Bebida alcoólica clandestina
A gente entende que em épocas de vacas magras, quando bate aquele tédio do vazio existencial, é natural procurar uma bebidinha mais barata pra desopilar. A cachaça, o vinho ou até o whisky, quase igual ao original, vão te dar bem mais que uma ressaca.
“O metanol é um álcool presente naturalmente em cachaças mas dependendo da quantidade ingerida, o metanol pode causar intoxicação que se configura inicialmente por dor de cabeça, náusea, cegueira e até a morte. Os casos de bebidas contaminadas com metanol foram registrados apenas em bebidas alcoólicas clandestinas.”, explica a toxicologista.
Além do metanol, a especialista revela que em bebidas batizadas também pode ser encontrado cobre e carbamato de etila em doses acima do permitido no Brasil.
“A exposição a baixas concentrações dessas substâncias durante um longo período podem acarretar danos graves, e existem estudos que demonstram danos muitas vezes irreversíveis”, conclui a profissional.
Para Caio (nome fictício), de 34 anos, ingerir bebidas alcoólicas de origem suspeita é a pior burrada que um “cachaceiro” pode fazer:
“Eu já tive muitas ressacas na minha vida e sei bem diferenciá-las de outros sintomas. Uma vez bebi algumas doses de vodca de uma balada que já tinha fama de batizar a bebida, mas não me importei. Acordei no dia seguinte vomitando muito, com febre. Demorei uns três dias para me recuperar totalmente, não conseguia comer nada. Aquilo não foi uma simples ressaca”. – desabafou.
4. LSD (doce ou ácido lisérgico)
Aqui o caso não se trata de uma mistura, mas de uma substituição.
O LSD é um velho conhecido dos amantes da psicodelia, desde que em 1942 Albert Hofmann descobriu “acidentalmente” os efeitos do ácido lisérgico. E foi só em 2010 que o substituto NBOMe, mais barato e com efeitos similares, apareceu no mercado de drogas, para ficar.
Esse doce é amargo, literalmente. Em 2016, o estudante da USP Victor Hugo Santos morreu por intoxicação pelo consumo de uma variante de NBOMe. É que tanto o LSD, quanto o ele são vendidos na forma de “blotters“, que são pedaços de papel embebidos de substâncias químicas.
A única forma de diferenciá-los é pelo amargo que o NBOMe causa na língua e um dos agravantes do perigo de seu uso é que, segundo a especialista:
“o LSD é uma droga amplamente estudada, diferentemente do NBOMe, que por se tratar de uma droga nova, não possui estudos a respeito da toxicidade.“
5. Crack
O primo pobre da cocaína tem um índice ainda mais assustador de substâncias tóxicas misturadas à droga. Uma pesquisa divulgada pela Agência Brasil revelou que 92% das pedras de crack recolhidas em São Paulo apresentaram adulteração.
Segundo a pesquisa, em amostras de crack as proporções de misturas encontradas são variadas, mas entre elas destaca-se a lidocaína, que pode provocar erupção cutânea, urticária ou reação alérgica e a fenacetina, que pode causar insuficiência renal crônica.
Outras substâncias encontradas em menor quantidade podem desencadear necrose de pele, câncer, crises convulsivas, inflamações, tremores ou prejudicar o funcionamento do sistema cardiovascular.
6. Maconha
A maconha mais consumida no Brasil, a prensada, pode ser um coquetel de substâncias tóxicas que, teoricamente, não estariam ali se a droga fosse controlada. Um estudo publicado pelo especialista Dr. Rafael Lanaro, em 2008, aponta para alguns dos possíveis contaminantes da cannabis vendida nas ruas.
Apesar da lenda, não existe comprovação de que urinem sobre a maconha. Por conta da umidade, os fungos crescem sem controle, por isso o cheiro forte. Como consequência, produzem microtoxinas de grande toxicidade, como por exemplo Aspergillus e Penicillium.
Essas microtoxinas podem levar a disfunções renais, hepáticas e neurológicas, gerando quadros de intoxicações agudas e crônicas.
Além disso, Dr. Lanaro comenta no mesmo estudo sobre a qualidade da maconha do Paraguai (um dos principais distribuidores para o Brasil), que essa erva possui policloroprene (neoprene, composição sintética da borracha) e que, principalmente, também foi encontrado praguicidas e herbicidas, como Paraquat (extremamente tóxico) e Glifosato (baixa toxicidade aguda).
Usuário de maconha desde os 19 anos, Felipe (nome fictício) de 31 anos revela que é mais do que comum encontrar a verdinha, nem tão verdinha assim:
“Uma vez quiseram me vender raiz de árvore jurando que era maconha, eu contestei, nisso pegaram outro mato (como eles chamam a maconha), mas era orégano. Sério! Com cheiro e cor de orégano. Sem contar todas as outras vezes que me venderam maconha com cheiro de mijo.” – revelou.
Achou pouco?
“Em 2008, na Alemanha, foram relatadas intoxicações por chumbo em 29 pacientes admitidos em um hospital, em consequência da presença de chumbo como contaminante da maconha, usado para aumentar o peso da droga, e em 95 indivíduos os valores de chumbo encontrados foram preocupantes, exigindo tratamento”, acrescenta Bulcão.
Existem relatos de que em torno de 20 a 40% da maconha que circula no Brasil está sendo batizada com crack, como denunciou essa matéria do G1. Esse “produto” é conhecido como “mesclado”, “craconha”, “desirré” ou “kriptonita”, dependendo da região do país.
O sentido da legalização
A única coisa que parece não preocupar na maconha, é ela mesma.
E essa é uma das, senão a principal, justificativa para a legalização da Cannabis por seus defensores, como mostra um vídeo da página Quebrando o Tabu, onde um agricultor de maconha do Colorado, EUA (lá a droga é legalizada), analisa a droga brasileira prensada.
Em resumo, ele ficou extremamente impressionado (negativamente) com o produto que consumimos por aqui. Veja o vídeo (com legendas em português):
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Moral da história
A especialista em toxicologia Dra. Rachel Bulcão minimiza a gravidade dos contaminantes, apontando o abuso como o maior problema para a saúde pública do país.
“Embora existam evidências de contaminação nas drogas de rua, muitas vezes com substâncias de grande toxicidade, a maioria dos contaminantes é inerte ou está presente em concentrações insuficientes para resultar em mortalidade. A maioria dos casos de morte devido à utilização de drogas de abuso populares é atribuída à droga em si, e não aos contaminantes”.
Já para o psicólogo Dr. Hugo Winter, do Programa Braços Abertos, regulamentar as substâncias é o melhor caminho para ter um maior controle sobre elas.
“Somente com a legalização dessas substâncias, sua regulamentação e gerenciamento, seria possível que o usuário soubesse exatamente a constituição do produto que está consumindo e, dessa forma, os profissionais de saúde poderiam aumentar a eficácia do tratamento dos comportamentos de riscos ligado uso”.
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