Especialista revela de que forma os smartphones nos manipulam para nos viciar
Todo mundo tem um amigo que não consegue ficar um minutinho sem dar uma olhada no celular. Se você não conhece alguém assim, talvez o viciado seja você.
Mas o que nos faz ficar cada vez mais dependentes desse aparelhinho tecnológico? Seria toda a funcionalidade que ele nos oferece ou nossa solidão, carência e insegurança, canalizadas em likes e compartilhamentos?
Talvez seja um pouco disso tudo, mas a grande realidade é que a indústria também colabora, e muito, para que nós não desgrudemos os olhinhos da tela do smartphone.
De acordo com o canal do portal de notícias, Vox, muitos detalhes que fazem parte de boa parte dos aplicativos existentes foram pensados e elaborados com o intuito de, literalmente, nos viciar.
Quem afirma tal coisa é o designer da Google, Tristan Harris, que co-fundou recentemente o Center for Humane Technology, responsável pelo projeto o Time Well Spent (algo como “Tempo que Gastamos“), que denenuncia como as empresas de tecnologia estão lucrando à nossas custas.
Segundo Harris, que até já “deu as caras” aqui no SOS quando falamos sobre um outro mal da era moderna – o sequestro mental -, essa tecnologia dos smartphones não foi desenvolvida para nos ajudar e sim para nos manter viciados.
Mas felizmente há algumas maneiras de burlar o sistema e tentar amenizar um pouco esses efeitos capazes de nos fazer dar mais importância ao mundo online que para o offline. O especialista compartilhou alguns desses truques na rede e a gente conta quais são eles logo abaixo. Se liga!
1. Desligue as Notificações
Além daquelas notificações quando de fato alguém quer falar com você, como uma mensagem ou uma ligação, boa parte dos aplicativos são desenvolvidos para simularem esse sentimento de interação social, nos manipulando para que fiquemos mais tempo online – assim alguns anúncios serão vistos, ou seja, lucro para eles.
Um exemplo disso são as notificações do Facebook que avisam quando alguém se interessa por um evento próximo a sua região; na verdade ele está nos manipulando.
Mas nem sempre isso foi assim. Em 2003, quando este tipo de notificação, chamada de “notificações push“, foi criada para avisar os usuários do Blackberry quando algum e-mail havia chegado em sua caixa de mensagens, a ideia era fazer com que o usuário usasse menos o aparelho.
Nós não mais precisávamos checar toda hora se o e-mail havia chegado. Era só tocar a vida e esperar a notificação. Mas hoje são inúmeras notificações enviadas, que nos levam para outras notificações e outros conteúdos, nos envolvendo cada vez mais nesse universo basicamente infinito.
A curiosidade é o mais poderoso gatilho
Além disso, de acordo com Harris, a falta de previsibilidade – pois não sabemos qual tipo de notificação receberemos – aumenta ainda mais o poder de vicio. Se já soubéssemos o que e de quem seriam as mensagem e notificações recebidas, não ficaríamos tão “hipnotizados” pelo sistema.
É quase o mesmo que acontece com os jogos de azar. A adrenalina criado por não saber qual a próxima carta que será virada é o segredo por trás do vício.
Quer um sentimento parecido? Sabe quando você dá uma atualizada no feed do Facebook, por exemplo, e fica esperando para ver o que será apresentado pra você? Uma notícia, uma fofoca, uma foto? Não sabemos, então ficamos na expectativa aguardando a tela carregar. Isso é o que nos instiga.
E como essa opção de atualização parte de nós mesmos, ainda nos dá uma falsa sensação de controle da situação, o que intensifica essa relação perigosa com o aparelho.
Uma pesquisa desenvolvido pelo Center for Advanced Hindsight da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, comprovou que para causar menor estresse ao usuário, as notificações devem ser reunidas em grupos e entregue poucas vezes ao dia.
2. Mude as cores da tela
A maneira mais fácil de atrair nossa atenção para a tela do celular é através das cores. Em um teste de rastreamento do olhar foi possível comprovar que o nosso foco percorre as cores mais vivas, principalmente o vermelho.
É por isso que boa parte dos aplicativos mudaram suas marcas e agora utilizam cores quentes e vivas em seus ícones e por este mesmo motivo que o balãozinho da notificação do Facebook é vermelho e não com outra cor mais discreta.
A outra dica de Harris para neutralizar a manipulação da nossa atenção é utilizar um filtro em escala de cores cinza no celular, que em alguns aparelhos pode ser encontrado nas “configurações de acessibilidade” do telefone.
Mais uma vez voltamos a semelhança aos jogos de azar, agora em especial as máquinas caça níqueis. Pelo mesmo motivo das cores usadas nos apps, essas maquininhas são cheias de cores, luzes e sons… tudo para chamar a atenção e viciar.
Quando tudo está em preto e branco, o cérebro não é influenciado pela cor para pensar que uma notificação é mais do que algo que você está fazendo no mundo real.
3. Restrinja a tela inicial para ferramentas diárias
Um outro passo importante para conseguir se desvencilhar do vício é deixar na tela inicial, aquela que aparece assim que você desbloqueia o aparelho,
apenas ferramentas e ícones básicos que o ajudam durante sua rotina, como a calculadora, calendário, o app de táxi, Waze, etc.
Nenhum desses aplicativos, caso você os acesse, lhe apresentará outras possibilidades, que poderão te levar a uma permanência desnecessária na rede. Por exemplo, você entra no Facebook, clica em uma foto e vai parar no Instagram, que depois te leva para um vídeo no Youtube.
Parece inofensivo, é só uma olhadinha, mas então surgem outras táticas para nos viciar e nos prender a rede, como a rolagem infinita, você vai descendo o feed e pode passar horas fazendo isso que o conteúdo sempre continuará surgindo, ou então a reprodução automática de vídeos no Youtube. Você entrou pra ver uma receita, e já virou fã de vários canais e youtubers.
Além disso, de acordo com essa pesquisa publicada no site científico NCBI, as pessoas precisam mais de pistas visuais para pararem com o consumo do que sugestões internas.
Para tal constatação, um experimento foi feito onde dois grupos de voluntários foram convidados para tomar uma sopinha. Porém, para uma parte do grupo, o prato usado na sopa era especial e possuía um sistema de reabastecimento automático – a pessoa tomava a sopa e automaticamente o prato se enchia novamente.
Para o outro grupo o prato era normal, ou seja, caso as pessoas quisessem comer mais, tinham que abastecer seu pratinho da maneira convencional. Os cientistas notaram que, como a galera que usou o prato automático não tinha uma referência visual do quanto estavam comendo, já que o prato nunca ficava vazio, eles comeram muito mais sopa que a outra turma e mesmo assim, não se sentiram mais satisfeitos que eles após a refeição.
Por mais que no fundo você saiba que precisa parar de ver vídeos e ir estudar, as interfaces usadas nessas ocasiões, como o sinal de play que fica aguardando sua decisão em ver o próximo vídeo ou não, criam uma falsa sensação de controle – afinal, eles sugeriram um vídeo, você opta por ver ou não – o que dificulta ainda mais parar de consumir.
O fato, conforme explica o especialista, é que precisamos visualizar algo que pontue um final para nossa ação. Enquanto o sistema continuar linkando um conteúdo no outro, nosso consumo continuará de forma desenfreada e viciante.
O que vale a pena?
Todas essas informações vão de encontro a todos os alertas que já fizemos em matérias distintas aqui no SOS, como este artigo, por exemplo, que prova que a internet e outras tecnologias conectadas não são simples e inofensivas quanto pensamos.
Estamos pagando um preço alto por toda a funcionalidade e praticidade que nos são apresentadas na tela do celular, e apesar de já ser um pensamento bastante utópico abrirmos mão de toda essa tecnologia, mais importante que isso é termos a consciência de que essa manipulação acontece, pois só assim teremos o discernimento do real motivo do uso – e abuso.
Afinal, você quer mesmo acessar essa informação ou é apenas o sistema te manipulando?
“Mas é uma questão filosófica realmente profunda: o que vale a pena chamar sua atenção? As pessoas sabem como responder essa pergunta? É uma questão muito difícil, não é algo sobre o qual pensamos. Mas, por enquanto, é uma coisa que todos precisam começar a se perguntar.” – finaliza Tristan Harris..