Educação Sexual na escola ensina crianças a fazer sexo?
A Educação Sexual nas escolas sempre foi motivo de polêmica, especialmente após a criação do projeto de lei “Escola Sem Partido”, que propõe restrições à educação sexual nas escolas e defende que este processo educacional deve estar, sobretudo, a cargo dos interesses da família.
Uma parcela dos pais concordam com esta proposta e com outras discussões em torno da retirada da educação sexual das escolas por acreditarem que ela ensina crianças a fazer sexo.
Mas será mesmo que esta visão é correta?
Ao contrário do que muita gente imagina, a falta de educação sexual, na verdade, representa um enorme perigo aos mais vulneráveis, especialmente considerando que violência sexual contra crianças e adolescentes cresceu 83% entre 2011 e 2017 no Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde.
A pesquisa também mostrou que a maioria dos casos aconteceu dentro de casa. E é ai que mora o perigo que ninguém gosta de discutir.
Educação sexual vai muito além do “Sexo”
Todos nós sabemos o quanto é difícil durante a infância obter informações confiáveis sobre assuntos relacionados à sexualidade quando passamos pela fase inicial de descobertas sobre o nosso corpo e sobre as relações entre as pessoas.
Muitos pais, inclusive, ainda se recusam a falar sobre estes assuntos com os seus filhos. Mas, diferente do que muita gente imagina, omitir informações importantes que são relacionadas ao campo sexual pode ser muito perigoso para as crianças.
E é neste contexto que a educação sexual nas escolas exerce papel fundamental e ajuda a orientar as crianças da maneira adequada, afastando-as dos riscos de uma educação sexual tardia e completamente distorcida – como alertamos nesse artigo e nesse também.
O psicólogo e especialista em sexualidade humana, Breno Rosostolato, explicou a importância da educação sexual nas escolas ao esclarecer que ela serve para auxiliar as crianças no processo de construção de suas identidades, fazendo com que elas desenvolvam o autoconhecimento, o pensamento e as próprias opiniões.
Além disso, ele afirma que a educação sexual nas escolas:
“permite a exploração do pensamento livre e criativo, além de contribuir na formação de posicionamentos que a criança e o adolescente precisam ter para distinguir um comportamento abusivo, exploratório e duvidoso. Saber denunciar e buscar ajuda, ao invés de omitir situações conflituosas.”
Considerando estas questões, é fácil imaginar quão perigoso para as crianças é não ter referências, informações e opiniões sobre sexualidade, sobre limites e sobre o seu próprio corpo em tempos horrendos de abuso e exploração sexual.
Afinal de contas, como uma criança reconhecerá um ato de violência sexual sem ser ensinada sobre o que é este tipo de violência?
Segundo a pedagoga e especialista em educação sexual, Caroline Arcari, uma educação sexual bem orientada representa uma das maneiras mais eficazes para reduzir a vulnerabilidade da criança diante da violência sexual, e é preciso superar o mito de que este processo educacional pode erotizar ou incentivar a iniciação sexual precoce tanto de crianças, quanto de adolescentes.
Mas afinal, qual o conteúdo da educação sexual nas escolas?
Antes de qualquer coisa, é importante lembrar que os materiais utilizados para a educação sexual de crianças e adolescentes são devidamente fundamentados. Segundo Caroline, legislações como o ECA, MEC, Pareceres do MPF, Constituição, entre outras, protegem os direitos das crianças e adolescentes e fundamentam estes materiais.
Sobre a construção deste conteúdo, a pedagoga esclarece:
“Construímos os materiais de acordo com as demandas de cada faixa etária, considerando o desenvolvimento psicossexual típico de cada fase (…) e baseamos nosso conteúdo nas experiências de educadores e familiares que dividem suas vivências do cotidiano em momentos de formação. Não esquecemos de contemplar também as especificidades das crianças com deficiência e valorizamos elementos lúdicos, acessíveis e com boa qualidade estética.”
Caroline escreveu, inclusive, a obra Pipo e Fifi, um premiado livro que pretende ensinar às crianças de forma descomplicada e adequada à sua faixa etária como identificar toques abusivos a fim de protegê-las da violência sexual. Há também uma versão 3D do livro para crianças com deficiência visual.
Uma postagem da página do livro Pipi e Fifi falou de maneira bem simples sobre o que é e o que não é a educação sexual, a fim de esclarecer dúvidas sobre o tema.
Segundo a postagem, educação sexual não é mostrar pornografia, ensinar crianças a fazer sexo ou fazê-las dançar músicas erotizadas, mas é, entre outras coisas importantes, falar sobre o corpo, ensinar a criança a diferenciar toques de afeto de toques abusivos e responder questionamentos das crianças de maneira honesta e adequada à sua faixa etária.
Também sobre a educação sexual na infância, Caroline afirma que ela é:
“pautada nos conceitos de autoproteção, consentimento, integridade corporal, sentimentos, emoções, sonhos, identidade, tipos de toques que adultos estão autorizados ou não em relação ao corpo da criança, como são feitos os bebês, como é o parto, a diferença anatômica entre os pares. (…)
Crianças e adolescentes que têm educação sexual, na escola e em casa, estão 6 vezes mais protegidos contra a violência sexual.”
Vale dizer que o livro “Aparelho sexual e cia“, citado por um candidato a presidência como kit-gay, nunca foi comprado pelo MEC nem foi incluído no projeto Escola sem Homofobia.
Trata-se de um best-seller internacional da editora Cia. da Letras, que sequer foi adquirido ou fez parte de algum programa do Ministério de Educação. Longe das escolas, algumas bibliotecas municipais chegaram a colocar o título à disposição, assim como os mais diversos livros, mas isso sem nenhuma relação com a entidade em questão (MEC).
Devido a confusão que alguns leitores do SOS fizeram na nossa fanpage do Facebook, precisamos explicar que de fato foi produzido um material para o MEC, mas não se trata do livro citado pelo candidato.
Muito pelo contrário, o trabalho é extremamente delicado e não tem nenhuma ilustração “ousada”. Lida apenas com o combate à homofobia. Para quem quiser ler o material disponibilizado na época, basta dar o download aqui.
O papel dos pais
Os pais possuem papel fundamental neste processo educacional que a escola desenvolve. Segundo Caroline, o ideal é que a educação sexual seja realizada por meio de uma parceria e que as crianças sejam orientadas com honestidade sempre que surgir algum questionamento no dia-a-dia, pois:
“Se os filhos não perceberem nos responsáveis uma fonte segura de informação, podem parar de perguntar e procurar em outras fontes como a internet – que se mal utilizada ou pouco monitorada, pode trazer informações distorcidas e inapropriadas para a idade deles.”
Já Rosostolato ressalta a grande importância da educação sexual no ambiente familiar afirmando que a educação sexual deve, primeiramente, partir dos pais, com um diálogo constante, mas que não seja invasivo, nem agressivo. Ele também afirma que:
“a sociedade está mudando significativamente e as mentalidades, pensamentos e opiniões das pessoas devem acompanhar este movimento. É necessário que pais e filhos estejam alinhados à estas mudanças e conversem sobre estas transformações sociais.”
Isto é muito importante, por exemplo, para educar crianças em relação à diversidade sexual e à importância da tolerância e do combate à condutas preconceituosas, como a homofobia e o machismo.
Sem receber uma educação sexual que contemple questões como estas, as crianças não poderão aprender desde cedo a importância do respeito às escolhas do outro e às próprias escolhas, o que pode gerar um comportamento intolerante, preconceituoso, violento e até mesmo autodestrutivo.
Recentemente, um caso chocou o mundo…
Um menino de nove anos que se identificava como homossexual se suicidou após sofrer bullying em sua escola. Segundo um artigo do jornal Em, Jamel Myles relatou à sua irmã que os colegas de escola disseram que ele deveria cometer suicídio após o menino afirmar que era gay.
Imagine como esta história poderia ter sido diferente se esta criança tivesse sido melhor orientada, obviamente por meio de um diálogo adequado à sua faixa etária, sobre o processo de compreensão em relação à própria sexualidade.
E, principalmente, se as outras crianças tivessem sido devidamente orientadas sobre a importância de respeitar a identificação das outras pessoas em relação à aspectos como identidade de gênero e orientação sexual. Tudo isso pode ser tema para sala de aula.
É importante que os pais desenvolvam a educação sexual no ambiente familiar e forneçam, desta forma, uma base para que a educação sexual nas escolas gere resultados positivos. E nos casos em que a educação sexual não esteja presente no âmbito familiar, a escola irá garantir que as crianças tenham acesso à ela, orientando-as e protegendo-as devidamente.
Também é importante que os pais e os outros cidadãos estejam atentos aos possíveis efeitos de projetos que possam impedir que a educação sexual nas escolas seja devidamente realizada. Sobre o projeto Escola Sem Partido, por exemplo, Rosostolato afirma que:
“é uma afronta aos movimentos atuais de emancipação e desconstruções de conceitos e normas antiquadas, o que resulta num embotamento de identidades e da diversidade.”
Para além deste problema, projetos como este dificultam o acesso das crianças à informações de grande importância, o que pode vulnerabilizá-las à violência sexual e à violência causada pela intolerância e pelo machismo.
Sem dúvidas, não é isto que desejamos para as crianças, nem do Brasil, nem de qualquer outro lugar do mundo. Certo?