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Desafio dos 90 dias: Movimento Reboot promete tratar “viciados” em pornografia

01 de novembro de 2019
Postado por Junio Silva

Era como garimpar. Há pouco mais de uma década, ou um pouco mais, encontrar e consumir pornografia cobrava, no mínimo, muita força de vontade de quem buscava isso. Hoje, o que antes demandava tempo, paciência e determinação, pode ser encontrado através de um simples clique.

Ainda que as discussões em torno do consumo e dos impactos que a industria pornografica pode causar, desde questões pessoais até causas feministas, por exemplo, cerca de 22 milhões de pessoas no Brasil ainda consomem conteúdo adulto, sendo 76% desse público homens. Os dados são de um estudo divulgado pelo Quantas Pesquisas e Estudos de Mercado, em parceria com o canal adulto Sexy Hot, realizado em 2018.

 

A pornografia pode se tornar um vício?

Até o momento não existem estudos científicos que conseguiram cravar que a pornografia pode ser um vício. Um dos problemas enxergados por pesquisadores é confundir os números da industria pornográfica, e atrelá-los com vício. Apesar de grandes, esses números, por si só, não são capazes de mostrar se pessoas que consomem conteúdos adultos são viciadas de fato.

Porém, estudos com fontes confiáveis sobre o tema, já começam a debater esse assunto de forma mais clara. Um deles é de 2012, do Instituto Kinsey, que conseguiu levantar dados de consumidores de pornografia e chegou a conclusão de que 9% dessas pessoas admitiram ter dificuldade em parar de consumir esse tipo de conteúdo.

Tratar a pornografia como um vício, no entanto, ainda é um assunto sem conclusão.

Mas as pesquisas nesse campo vêm crescendo, analisando não somente os números de consumo desses conteúdos, como as implicações que o mesmo trás para a vida de quem os consomem.

 

O impacto do consumo frequente

Segundo levantamento publicado pela mestre em psicologia, Fernanda Alves Baldim, de 2017, o cérebro que consome conteúdos adultos de forma compulsiva, se assemelha ao de um dependente químico. Segundo a especialista, os fatores que podem tornar a pornografia um vício são as mesmas observadas em dependentes químicos, atingindo o usuário no âmbito psicológico, biológico e social.

A rotina envolvendo o consumo de pornografia de forma desenfreada modifica o nosso cérebro. Ela cria uma rota fácil de prazer, ativando a dopamina. Consumindo esses conteúdos, nossa mente acaba se condicionando a sempre procurar aquilo quando sentimos a necessidade de ter a sensação de prazer, de forma fácil e rápida.

É como fumar um cigarro, por exemplo. Com o tempo, nossa cabeça fica configurada para fazer aquilo, sempre que sentimos aquela vontade. É como fumar cigarro. Porém, diferente do vício em cigarros, o consumo de pornografia segue uma linha diferente.

O fumante, muitas vezes, fuma a mesma marca a vida inteira, e aquilo já é suficiente para sanar seu vício. Mas com a pornografia pode ser diferente. Pela alta oferta que a internet disponibiliza e sua facilidade, o usuário pode entrar cada vez “mais fundo”, tornando esse dependência algo mais sério, onde não se satisfaz, buscando cenas cada vez mais “pesadas”.

No SOS, foi amplamente discutido a diferença entre vício e compulsão atrelados à pornografia, no artigo “De Onde Surgiu a Ideia de que Pornografia Pode Viciar?”, o autor alerta que ainda não há base científica para definir se consumo frequente de pornografia é realmente um vício ou compulsão. O assunto rendeu tanto que existe uma outra parte: Vício em Pornografia: O Que Sabemos até Agora“.

Ainda que não haja uma conclusão sobre a pornografia ser ou não um vício, os problemas ligados ao consumo exagerado podem ser notados, principalmente em fóruns e sites especializados sobre o assunto. O ator Terry Crews, por exemplo, há cerca de 3 anos, falou abertamente sobre o tema, e em como consumir pornografia estava afetando sua vida, em vídeo originalmente publicado em sua página do Facebook.

 

Um alerta: Disfunção Erétil

Um dos expoentes da teoria de que a pornografia é um vício – ainda que criticado por parte da comunidade cientifica – é o polêmico neurocientista Gary Wilson.

Em uma de suas pesquisas, buscando entender os efeitos da pornografia no cérebro de quem a consome, o pesquisador não conseguiu encontrar homens que não assistissem pornografia, para comparar as diferenças cerebrais com aqueles que assistem. Algum tempo depois, após muita pesquisa, descobriu um grupo que estava buscando deixar de lado o consumo excessivo de conteúdos adultos, e o motivo era comum em todos eles: disfunção erétil.

Muitos desses homens estavam com o problema, e julgavam a pornografia como um dos principais fatores. Geralmente, a masturbação vem junto com o ato de assistir pornô. O cérebro, por sua vez, acaba condicionado a sentir prazer desta forma.

As fantasias sexuais dos vídeos, a sensação de autossuficiência, cenários que não podem ser reproduzidos na vida real. Porém, na hora do sexo real, com suas mentes já condicionadas à esse prazer, acabavam brochando.

O vício em pornografia não é algo exclusivo do homem, mas, por todas as razões que envolvem desde o círculo social, culturais, até o fato de 99% da pornografia mundial ser feita para os homens, não é difícil encontrar relatos de pessoas que quase ferraram com suas vidas sexuais por causa do combo pornografia + masturbação.

 

Desafio dos 90 dias: o que é Movimento Reboot?

Para os adeptos desse movimento, tanto faz se é vício ou compulsão em pornografia, o importante é perceber o impacto negativo desse comportamento, a fim de querer corrigi-lo. Reboot, como sua própria tradução sugere, busca reiniciar o cérebro das pessoas que estão nessa condição.

O processo de reconfiguração do cérebro consiste em ficar um tempo sem pornografia e estímulos sexuais artificiais. Com isso, o cérebro seria capaz de voltar ao normal, reprogramando-se sozinho para a ser o que era antes.

Como funciona:

O tempo mínimo recomendado por essa técnica é de 90 dias de total abstinência de pornografia, mas isso pode variar de pessoa para pessoa. Caso o ciclo de 90 dias seja quebrado, com alguma recaída, a contagem deve ser reiniciada. Nesse período o sexo é liberado e em alguns casos, masturbação sem pornografia também.

O objetivo não é impedir as pessoas de sentirem prazer, mas recondicionar a cabeça daqueles que já observam efeitos negativos ou só conseguem sentir prazer através de vídeos pornôs e masturbação.

Segundo os adeptos, as dificuldades podem parecer com as que dependentes químicos enfrentam ao decidir largar um vício. Ou seja, parar de consumir pode gerar efeitos colaterais, uma consequência da abstinência. Impulsos sexuais, redução da libido, ansiedade, irritabilidade, entre outras coisas, são dificuldades esperadas durante o processo.

Reboot não é um movimento que promete uma cura, nem mesmo para problemas sexuais como ejaculação precoce ou dificuldades em ereção. O objetivo principal é a ajuda mutua entre pessoas que já enxergam os efeitos negativos do pornô em suas vidas.

Segundo relatos e dados de comunidades ligadas ao movimento, os avanços mais frequentes e recorrentes às pessoas que utilizaram a prática foram a melhora de energia e disposição, melhoria nas atividades cotidianas, melhor clareza mental e de memória, autoestima, e um aumento no envolvimento sexual real, incluindo ereções mais duradouras.

No Brasil, já existe uma comunidade ligada ao tratamento e troca de experiências em torno do vício em pornografia. O fórum do site Vicio em Pornografia: Como Parar?, possui materiais para aqueles que buscam dar um tempo no pornô, indo desde orientações básicas de inicialização, casos bem sucedidos de pessoas que aderiram à prática e troca de idéias entre pessoas que estão em pleno processo.

Independente da sua conduta em relação a pornografia, é importante não se culpar. Comportamentos incontroláveis, via de regra, são sintomas de algo que precisamos olhar com mais atenção, de preferência com profissionais especializados. Se acha que precisa de ajuda, busque mais informações; se possível, converse com pessoas em que você confie, se abrir com alguém ajuda muito no processo de cura.

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