Brasil, 2020. Mais um dia na quarentena.
Andando de lá pra cá tento organizar o pensamento e lembrar em que dia da semana estou. Quinta, acho. Não, ontem foi dia de lixeiro. Sexta-feira então. Não, hoje não tem feira. Bom, na verdade tanto faz, com o isolamento os dias não mudam muito. Na tevê ligada o terceiro noticiário do dia termina junto com o teco de pizza que mastigo. Tédio. Pego o celular enquanto aguardo a tela de abertura do notebook voltar do descanso. Rolo algumas telas, olho o feed, atualizo as redes sociais, tédio, tédio. Mas então uma boa notÃcia! Não exatamente uma notÃcia, um “vÃdeo de reação”…
No final de março um vÃdeo viral (Affe!), a exemplo do primo Corona, atravessou fronteiras alcançado muito mais que um “grupo de risco”, só que dessa vez desfazendo tristezas e animando o isolamento de muita gente.
Esse viral começou, segundo o Know Your Meme, com uma usuária do TikTok chamada @lindseybear1 que, aproveitando o confinamento, criou uma brincadeira para ser feita entre casais – inicialmente chamada de #couplechallenge, onde ela, nua e gravando com um celular, surpreendia o namorado com sua peladice.
Uia! Nudess?! Nããão, ela não aparece pelada, o intuito do vÃdeo é sobre a reação que o namorado tem ao vê-la. Algo como um nude oculto, um snapchat individual que possibilita a todos produzirem seu próprio reaction video.
@lindseybear1He’s so cute. ?? Btw no one can see in those front two windows our house is far back with trees. ##foryourpage ##fyp ##tagsforlikes ##couplechallenge♬ original sound – lindseybear1
O primeiro paragrafo desse texto lembra muito aquelas histórias apocalÃpticas que já tanto vimos contadas em livros ou filmes, mas não é. É algo real que hoje preenche boa parte dos nossos dias. Um evento que traz perplexidade, medo, muita incerteza, mas também nos convoca a tomar atitudes como, por exemplo, criar novas e criativas possibilidades seguras ou seja, virtuais.
Esse viral é um jogo simples, quase bobo, mas que em dias arrastados como os nossos, onde trabalho, diversão e descanso acontecem no mesmo lugar, ganham uma importância singular. Um alivio em tempos pesados. Uma ação que entretém a quem faz e, talvez, mais ainda a quem assiste. Uma opção beeem divertida para variar entre games, Netflix, refeições e sono.
O que a brincadeira mostra
E como o “outro vÃrus” globalizado o #nakedchallenge revela bem mais do que sua capacidade de disseminação, ele mostra hábitos, costumes e até como o público atingido se relaciona.
Replicado principalmente por jovens da geração Y – também chamados millennials e nascidos aproximadamente entre 1980 e 2000, o viral do momento deixa exposta a forma como eles se relacionam com a nudez do Outro.
o gatilho meu deus do ceu pic.twitter.com/lRceltJDE6
— gio (@gioasdfhjkl) April 2, 2020
Um Outro próximo, como um namorado, esposa, ficante ou qualquer outro que permita tal intimidade. Nas publicações vemos, além de muito vÃdeo game, um certo desconforto da “vÃtima” surpreendida. Uma mistura de estranhamento e surpresa pelo fato da sua companheira estar nua. Como se a nudez entre o casal fosse algo inédito.
O que a brincadeira diz
Um fato curioso já nos dá uma pista sobre essa geração gamer, ao começar pela diferente reação entre os gêneros, com os homens demonstrando interesse e desejo e as mulheres respondendo com algum constrangimento e gozação (quase sempre entre risos).
a diferença da reação das mulheres é ótima pic.twitter.com/W1ZEU2TLtE
— gio (@gioasdfhjkl) April 2, 2020
Pesquisas hoje dão conta do quanto os millennials praticam menos sexo que as gerações passadas ou seja, transam menos que seus pais e avós. Uma delas, por exemplo, revela que quase 60% desses jovens abririam mão de seis meses de sexo caso pudessem viajar.
O estudo também cita pontos que poderiam influenciar nesse desinteresse sexual como o excesso de dedicação ao trabalho e o aumento de contas a pagar que sugariam suas “energias” e até mesmo as oportunidades para o sexo. Outro ponto observado é a pouca vivência comunitária (preterida pela vida virtual?), que noutras gerações sempre foram o laboratório para a construção de relacionamentos.
Naturalmente o meio e o tempo em que vivem esses jovens influi muito em seu comportamento. Nas gerações passadas o sexo, além de censurado, era de difÃcil acesso e com isso bem mais desejado. Desejo, talvez uma das chaves para se decifrar essa mudança já que o proibido sempre instigou o ser humano.
Talvez hoje, na era dos “matches“, a facilidade seja muito mais brochante que incentivador. Nos tempos atuais o acesso e excesso, numa cultura hiper sexualizada com pornografia ao alcance de um clique, possivelmente esvaziem a busca deixando o sexo banal e absolutamente substituÃvel: Menos sexo, bem menos intimidade, quase nenhuma nudez.
Junto a isso podemos ainda citar outras caracterÃsticas que vem crescendo nas últimas gerações como os medos da rejeição e do fracasso, o pavor de não ser bom de cama o suficiente – no momento que a pornografia se torna a única referência dos jovens – e a profunda inabilidade em lidar com isso já que é a prática que “nos forma” nesse tema.