Cortes na Educação: comparar os governos Bolsonaro e Dilma Rousseff é justo?
Para justificar o “apoio” ao contingenciamento que o governo Bolsonaro fez na Educação, iniciou-se um processo de comparação entre os cortes atuais com os ocorridos em 2015, no governo da então presidente Dilma Rousseff.
O doutor em economia Alberto Handfas, professor adjunto da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e diretor da associação de docentes da instituição (Adunifesp), publicou um texto nas redes sociais onde detalha o cenário atual e explica se é ou não correto fazer tais comparações.
Nós checamos as informações escritas pelo professor e elas podem ser acessadas clicando nas palavras destacadas em roxo:
“Conquistas, cortes e a luta pela Educação Básica
Alberto Handfas (diretor Adunifesp)
Com as gigantescas mobilizações do dia 15 de maio, eleitores do Bolsonaro atônitos (seguidos, às vezes – infelizmente -, por gente na ultra-esquerda) tentam mudar de assunto e insinuar um suposto paralelo entre o contingenciamento de Weintraub e o de 2015. Acusam os movimentos sindicais e estudantis de viesamento – uma falácia. Vejamos:
1. Como os movimentos portaram-se em 2015?
O ajuste fiscal de 2015 foi um erro do governo Dilma – que, diante das pressões (…) do mercado/mídia/oposição (desde o final de 2014 chantageando-a e ameaçando derruba-la), acabou capitulando. Dilma mesma reconheceu este erro em várias entrevistas pós-golpe [pós-impeachment].
O movimento sindical (boa parte dirigido por petistas e simpatizantes) foi à luta. A CUT liderou, junto com outras centrais, inúmeras manifestações de rua contra o plano Levy e seus contingenciamentos no decorrer de 2015.
Nós, na Unifesp – com a participação ativa da Adunifesp e de seus diretores e apoiadores, eu inclusive – participamos de (e impulsionamos) vários atos e mobilizações. É o que se espera de sindicatos, que devem ser independentes em relação a governos, partidos etc.
Nas manifestações do final de 2015, o movimento sindical/popular apresentou duas consígnias centrais: “Não ao Ajuste Levy!” e “Não ao Golpe!” (Cunha/mídia/mercados/judiciário já haviam dado os primeiros passos do impeachment, ataque brutal à democracia e, como vimos, aos direitos do povo).
Dito isso, pergunto:
2. São contingenciamentos semelhantes?
Tecnicamente, em si e descontextualizados, eles podem até ser comparáveis. Mas é muita desonestidade intelectual equiparar a política educacional de Bolsonaro (inclusive mas não só o “contingenciamento”) com a dos governos do PT – e achar que nosso movimento deve reagir às coisas por igual.
No Lula-Dilma, a Educação pública teve um dos maiores incrementos orçamentários da história do país. Claro que gostaríamos que fosse bem mais, mas houve sim avanços significativos. Durante o Lula/Dilma:
- As verbas orçamentárias à Educação (ao MEC) mais do que triplicaram em termos reais. Lembrando que elas estavam estagnadas durante todos os anos 90, até o fim do governo FHC em 2002/3.
- Entre 2003 e 2016, as verbas às Universidades e aos Institutos Federais saltaram de 23 para mais de 60 bilhões de reais (tudo corrigido pelo IPCA de 2018), como mostra o gráfico abaixo:
- Foi isso que garantiu a expressiva expansão das universidades via Reuni e Pronatec: entre 2004 a 2014, foram 360 novas escolas técnicas; 18 novas universidades federais; 173 novos campi; e o número de estudantes universitários (federais) dobrou, de meio para quase um milhão.
Aliás, como reflexão, essa expansão ajuda a explicar a enorme capilaridade das manifestações do dia 15 de maio – ocorridas em mais de 200 cidades (mesmo nos rincões) do país! Algo impensável há 15 anos atrás…
3. Dado tal contexto, é justo então tratar da mesma maneira Dilma (-Lula) e Bolsonaro?
Não só injusto, é uma enorme patifaria política que visa (mesmo que não intencionalmente, no caso da ultra-esquerda) desorientar o movimento e as lutas do povo.
O contingenciamento Dilma-Levy diminuiria a expansão do Lula-Dilma na Educação em 2015 especificamente. Mas ainda assim manteria o orçamento ao MEC num patamar incomparavelmente superior aos de todos os governos anteriores.
Ao contrário, o contingenciamento de Bolsonaro, corta um orçamento proporcionalmente já achatado, pois congelado (por 20 anos!) num patamar baixo pela EC95 de Temer (que os partidos de esquerda – em particular o PT, a maior bancada – votaram contra, com luta nas ruas. Bolsonaro votou a favor, óbvio).
Ademais (e isso é central), o objetivo de Bolsonaro é destruir a universidade pública, a Educação e a própria Ciência no país, ao cortar não apenas o financiamento, mas também a autonomia e a liberdade de pensamento.
O atual contingenciamento [do Ministro] Weintraub é só uma das medidas de seu pacote geral de destruição completa, terra arrasada, dos serviços públicos sociais. Pois trata-se de um governo comprometido em destruir as conquistas que o povo e a nação brasileira lograram obter em sua história de lutas, inclusive e sobretudo as do período Lula-Dilma.
4. Igualar as coisas visa desorientar o movimento
Quem acha que é tudo igual (na direita ou na ultra-esquerda), o faz por desonestidade ou por incapacidade de reconhecer tais conquistas. O povo trabalhador e os estudantes que estiveram aos milhões no dia 15 não são indiferentes a tais conquistas. E quem não defende as conquistas, recentes ou do passado, é incapaz de lutar por novas no futuro.
Por fim, quem (na ultra-esquerda em particular) insinua igualdade, ou mesmo similaridade entre coisas tão distintas, presta um desserviço à luta popular pois a desorienta e a confunde sobre onde está o inimigo. Divide o movimento, dificultando o vislumbre de uma saída política às massas.
Afinal, as batalhas imediatas (“econômicas/específicas”) da Educação e da Previdência não só não são contraditórias mas são, sim, complementares às lutas (“políticas”) mais a médio prazo (…).”