Como reagir durante abordagem policial: conheça os seus direitos
Observe a imagem de destaque desse artigo, onde um homem preto é asfixiado por um policial militar. Agora assista ao vídeo abaixo. O momento foi registrado na Avenida Paulista, 31 de Maio, na manifestação antidemocrática em favor da intervenção militar:
Manifestante carregando taco de baseball ameaçou manifestantes antifascistas. A polícia não efetuou a prisão por parte de arma branca. pic.twitter.com/QEujX815rd
— Democratize (@agdemocratize) May 31, 2020
Nele, observamos a policia militar deslocando com bastante calma e delicadeza uma mulher branca que empenhava um taco de baseball (arma branca) contra manifestantes favoráveis à democracia.
A lei é mesmo para todos? Afinal, você sabe como reagir durante uma abordagem policial? Quais são seus direitos ou até onde um policial ou guarda pode agir sem demonstrar abuso de autoridade?
Já há alguns anos, a ONU vem levantando debates sobre o racismo presente nas abordagens; alertando para a seletividade das forças policiais durante operações de vigilância – o que, segundo a Organização, ocasiona o aprisionamento desproporcional de uma população específica.
Abuso de autoridade, infelizmente, não é uma prática rara no Brasil. A Rede Globo teve acesso a um relatório da Corregedoria da Polícia Militar do Estado de São Paulo que aponta crescimento de 74% nas denúncias de abuso de autoridade cometido por Policiais Militares, entre 2017 e 2019.
Segundo o relatório anual da Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo de 2018, abuso de autoridade é a segunda queixa mais frequente recebida, perdendo apenas para má qualidade no atendimento.
Nesse contexto, A Defensoria Pública do Estado do Pará elaborou um Manual de Direitos do Cidadão na Abordagem Policial. O material, em forma de cartilha, é um verdadeiro guia para o cidadão.
Em uma linguagem clara e simples, para facilitar o entendimento, o manual apresenta quais condutas o cidadão deve adotar no momento de uma abordagem, quais são seus direitos e como reagir perante uma situação de abuso policial.
Separamos em tópicos as principais informações da Cartilha:
1. “É seu direito saber o motivo da abordagem e o nome de quem a realiza”
A Cartilha destaca que conhecer a razão da abordagem e a identidade de quem a realiza é uma garantia constitucional. Policiais militares e guardas municipais devem ter sempre o nome em suas fardas, em local visível. Policiais civis e federais não estão sujeitos a essa exigência, mas devem apresentar a carteira funcional.
Caso a identificação não seja feita, o documento orienta a, sempre que possível, tentar anotar placa ou prefixo da viatura, bem como características físicas dos policiais ou guardas e detalhes do uniforme que vestiam. Isso facilita uma identificação futura caso seja necessário.
2. “Andar sem documentos não é crime”
O Manual esclarece que não é crime ou errado estar sem documentos de identificação. Nesse caso, quando em uma abordagem, o cidadão deve fornecer informações que facilitem sua identificação (nome completo, endereço, profissão e nome da mãe, por exemplo). Se recusar a fornecer identificação (documentos ou informações) é uma contravenção penal.
3. “Documentos pessoais não podem ser apreendidos em uma abordagem”
A menos que os documentos sejam falsos, ou que haja uma ordem judicial, os documentos do cidadão nunca devem ser alvo de apreensão.
4. “Existem restrições para a realização de buscas pessoais (revistas)”
A Defensoria alerta que revistas pessoais só devem ser com ordem judicial ou na suspeita fundamentada de que o cidadão porta objetos ilícitos ou que poderiam ser utilizados para cometer algum crime.
As suspeitas não devem levar em consideração o local da abordagem, gênero, cor da pele, vestimenta ou o fato do cidadão ter ou não tatuagens, por exemplo.
O manual destaca, ainda, que a revista pessoal em mulheres deve ser feita, preferencialmente, por policiais ou guardas do mesmo sexo. Em casos excepcionais onde não exista uma profissional do sexo feminino para realizar a busca, um policial ou guarda do sexo masculino deve atuar sempre buscando diminuir o constrangimento da abordagem.
A Defensoria do Pará menciona que a autoidentificação de cidadãos transgêneros deve ser respeitada durante a abordagem.
5. “Todo cidadão tem direito de ter sua integridade física, moral e financeira respeitada”
Isso quer dizer que nenhum policial ou guarda pode agredir, ameaçar, humilhar ou xingar o cidadão durante uma abordagem. Também não é permitido a divulgação da imagem da pessoa abordada.
No que diz respeito a integridade financeira, policiais e guardas não podem apreender objetos como chaves, celulares, computadores, bicicletas e carros, por exemplo – a menos que existam provas de que tais objetos têm origem ilícita.
6. “Nenhuma autoridade policial pode adentrar residências sem autorização judicial ou consentimento do morador”
Não é permitida entrada em residências para realizar busca por indivíduos ou objetos suspeitos. A revista em residências só é permitida com ordem judicial ou autorização do morador.
7. “Algemas só são permitidas em casos específicos”
O uso de algemas só se justifica quando, no momento de uma possível prisão, o cidadão apresentar resistência, houver possibilidade de fuga ou quando este apresentar risco à sua integridade ou de outras pessoas.
8. “Direito de permanecer calado”
Não é permitida realização de interrogatórios durante uma abordagem. Apenas autoridades policiais (no caso, delegados) ou juízes podem interrogar. Qualquer tipo de confissão informal realizadas no calor de uma abordagem ou sob ameaça, seja ela física ou moral, são consideradas ilegais, destaca o manual.
O que fazer em situação de abuso de autoridade?
Além de destacar os direitos do cidadão, a Defensoria Pública do Pará elenca quais atitudes o cidadão deve tomar após ter algum direito violado:
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Gravar, sempre que possível, a identificação dos policiais ou guardas envolvidos, bem como das viaturas;
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Anotar nome e endereço de testemunhas, quando houver;
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Se ocorrer agressão física, fotografar os ferimentos e se encaminhar ao Instituto Médico Legal (IML);
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Registrar a ocorrência para que a abuso seja investigado.
Vale destacar que está em vigor desde o dia 03 de janeiro de 2020 está em vigor a Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/2019), que trata com mais clareza as condutas policiais que podem ser criminalizadas.