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Como entrei em forma tomando cerveja na Paulista

22 de março de 2016
Postado por Roberta Nader

Vou ser sincera: quando decidi parar de usar o carro na cidade foi uma decisão muito mais pautada por uma questão de ideologia, de buscar viver de acordo com o mundo que quero construir. Mal sabia eu que, no fim das contas, eu iria ganhar muito mais do que a cidade.

Porém, deixar o carro em casa por livre e espontânea vontade não foi da noite para o dia. Foi um processo. E o começo não foi tãaaaooo fácil.

Por que é tão difícil no começo?                                        

Precisamos começar com um contexto. Parar de usar o carro nas grandes cidades brasileiras é difícil por um simples motivo: as cidades brasileiras foram projetadas PARA OS CARROS: ruas largas, grandes avenidas de transito rápido e bairros residenciais afastados dos centros comerciais (o que significa dizer que você provavelmente vai morar muito longe do seu trabalho).

Além disso, quem construiu nossas cidades imaginava um futuro bem diferente. Você lembra daquele desenho, Os Jetsons?

Sabe de quando é esse desenho? 1962. E olha como eles imaginavam o futuro: carros voadores! Cozinheiras robô! E uma máquina que produzia seu café da manhã de maneira mecânica! (bem diferente do futuro que está se desenhando, com a leveza das bicicletas, a volta dos alimentos orgânicos, das hortinhas caseiras…). Pois bem, Os Jetsons mostra bem o pensamento da galera que pensou as nossas cidades: para as máquinas.

Feito esse parênteses, eu volto: por isso não é tão fácil abrir mão do carro na cidade. Mesmo que nossa mentalidade esteja mudando e muitas coisas estão sendo feitas para as cidades voltarem a ser das pessoas e para as pessoas, ainda temos muito o que melhorar. E esse melhorar inclui aprendermos a “desviciar” do carro.

Eu comecei pelo começo: comprei uma bicicleta. Nada dessas bikes hipsters, dobráveis, vintage, etc… uma caloi bem básica. Comecei usando aos fins de semana para fazer coisas que antes fazia de carro, como o programinha cinema + cerveja na Paulista.

Depois da bike, além de economizar os 15 pau do estacionamento (o preço da pipoca grande, diga-se de passagem) só aquela ladeira da Alameda Santos já neutraliza as calorias da serra malte pós sessão. Hoje, também uso a bicicleta nos dias de semana para ir e voltar da Yoga, por exemplo, que fica a 3 km da minha casa.

transitobike

transporteativo

Mas acho que a grande palavra para quem está decidido a abrir mão do carro é uma: intermodal. Ou seja, vários modos de transporte, o melhor para cada situação.

Eu sempre uso o que mais se adequa pra mim naquele momento e o metrô é outro bem prático. É com ele que vou para lugares mais distantes e, sério, não tem preço poder ir lendo um livro, não encanar porque o cara da frente te fechou, porque o semáforo tá quebrado, porque não tem lugar pra estacionar, porque não tem cartão azul, porque… e melhor de tudo: nunca mais ficar 3 horas estacionada no trânsito amaldiçoando o mundo.

De bike, a pé, de metrô ou de ônibus. A grande sacada é contar com os aplicativos do celular. O que eu uso é o Google Maps (disponível para Android e iOS). Se você coloca na rota a opção transporte coletivo, ele te dá todas as opções e o tempo que cada uma leva. Também baixei outro app muito legal que chama SP Sem Carro (disponível para Android e iOS). Ele te dá, para a rota escolhida, as opções: a pé, bicicleta, transporte coletivo ou taxi, com o tempo e preço de cada uma. Incrível!

Depois que eu abri mão do carro meu humor melhorou. Minhas coxas estão mais duras. Meu estresse diminuiu. E eu comecei a reparar em várias coisas legais na minha cidade, que dentro do carro ficamos cegos.

E pra quem acha que o carro faz você ganhar tempo, isso pode ser verdade algumas vezes, outras vezes é pura ilusão. Se eu somar o tempo que eu perco procurando vaga pra estacionar ou tendo que parar em posto pra abastecer, mais o tempo que eu perderia se eu tivesse que ir para uma academia fazer uma aula de spinning…

Largando o carro você junta o útil ao agradável: faz o exercício enquanto se desloca para algum lugar. Não parece óbvio?

Já nas vezes em que o carro realmente economiza meu tempo (porque cá entre nós, as cidades brasileiras ainda precisam evoluir muito no transporte público) eu uso o taxi. Ou o Uber. Lembra do intermodal?

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Se colocar na ponta do lápis todos os gastos do carro, IPVA, Seguro Obrigatório, Seguro, Gasolina, Estacionamento, Manutenção, até dá pra ostentar um taxi ou um Uber quando for a melhor opção.

Eu sei que quando estamos no busão lotado a promessa de ter nossa própria bolha de lata com ar condicionado parece irresistível. Mas eu passei pelos dois mundos e digo, na cidade isso é ilusão.

O trânsito está aumentando dia a dia e os motoristas estão cada vez mais sem noção. Eu me regozijo de prazer quando estou andando e passo por uma esquina engarrafada. Carro fechando o cruzamento, as duas ruas paradas, os caras buzinando feito loucos, os motoristas socando o volante, e eu atravessando tranquilamente entre esse caos todo.

Juro, me sinto tipo aqueles seres de luz impenetráveis levitando pelo apocalipse.

Mesmo esse sendo um processo (eu ainda não vendi o uninho que divido com outra pessoa, mas a cada semana ele passa mais tempo na garagem) largar do carro me deixou mais bem humorada. E, ah, ainda perdi três quilos, assim, naturalmente.

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