Como contar aos filhos que eu fumo maconha, sem causar traumas
Existem perguntas inocentes, vindas das bocas de crianças, que dão um nó na cabeça na hora de encontrar uma resposta. Apesar de ainda ser ilegal no Brasil, para alguns, consumir maconha de forma recreativa é como uma cervejinha no fim de um dia estressante: “acalma e relaxa”, nos revelou um pai, de forma anônima.
Mas e quando os filhos aparecem bem na hora que você dá a primeira tragada no baseado, escondido no banheiro: “O que é isso? Que cheiro é esse? Você tá fumando o quê?“. A primeira coisa que vem a mente é o saudoso Bezerra da Silva, “se segura malandro, para fazer a cabeça tem hora”; e agora?
Apesar dos avanços nas discussões sobre o assunto, e de 7,7% dos brasileiros já terem consumido cannabis pelo menos uma vez na vida, como aponta um estudo recente da Fundação Oswaldo Cruz, a maconha ainda trás consigo alguns tabus.
Mesmo aos pró-cannabis, a hora de falar sobre o assunto com os filhos parece ser uma difícil tarefa, afinal, os pais são as primeiras referências que os filhos têm na vida, e suas atitudes podem se tornar espelho para os pequenos durante a vida inteira.
Meu filho me flagrou, falo a verdade? E de que jeito?
Para começar, não existe uma “fórmula” correta para isso. Primeiro pois não há um consenso sobre a idade que uma criança começa a ter maturidade para entender e está inserida em assuntos polêmicos, como é o caso da maconha. Acredita-se que, na maioria dos casos, a partir dos 12 anos elas iniciem esse processo de amadurecimento e inserção nas demandas sociais, através do círculo social em que convivem.
Ainda que em um convívio em um ambiente onde os pais e pessoas próximas apresentam uma postura pró-legalização da erva, a descoberta de que os pais são usuários de maconha pode mexer com a cabeça dos filhos. Cada nova descoberta causa reações e consequências.
Mas e quando meu filho já percebeu que algo diferente acontece? Falo a verdade ou não? O psicólogo infantil Igor Barros explica que nesse momento é importante estar atento em como está o cenário de aceitação, além da maturidade dos filhos, para tratar de assuntos como esse.
“Partindo do pressuposto que os pais querem fazer algo ilícito ou de difícil aceitação social, falar é uma boa escolha, para que os filhos percebam que podem falar sobre isso em casa.
Esconder somente é aconselhado quando o hábito dos pais ainda não está claro, não é rotineiro ou está “em teste”.
A descoberta de algo velado é de surpresa e gera tentativa de entendimento. Se não for algo que foi discutido entre pais e filhos, o sintomas de rejeição, isolamento, ansiedade, nervosismo, entre outros, logo serão percebidos”, explica o psicólogo.
Fernando Santiago, advogado que exerce um trabalho voltado ao mercado cannabico e fundador do primeiro Clube Social da Cannabis no Brasil, cita que essa é uma dúvida que muitos pais trazem até ele.
“É bem comum alguns pais me procurarem com dúvidas sobre esse assunto. Geralmente, ela acontece porque os filhos começaram a ter uma pequena percepção disso, ou começam a ver amigos e até mesmo os pais com hábitos diferentes, e começam a questionar isso”, conta o advogado.
Para ele, a melhor formar de quebrar o tabu é pelo diálogo honesto:
“Uma conversa franca, direta, olho no olho. Sem santificar ou demonizar a cannabis. O pai, se tem uma vertente mais ativista, precisa tomar cuidado com isso, porque o que buscamos [com as ações que trabalha] é evitar que pessoas abaixo de 18 anos tenham contato ou consumam a erva”.
É importante lembrar que o incentivo ou a permissão do uso de substâncias ilícitas por parte dos pais pode ser considerado crime. A transparência e a conversa de forma responsável parecem ser o melhor caminho para esse papo. Caso a reação dos filhos sobre o ativismo canábico dos pais seja positiva, o diálogo deve continuar.
Ao contrário, é recomendado buscar outros meios de diálogo, de forma mais didática, ao invés de “normatizar” a maconha, ensinar que a escolha dos pais é algo pessoal, e que diz respeito somente à eles.
Meus pais fazem, eu também posso?
O que os pais fazem, muitas vezes, abre espaço para que os filhos tomem para si aqueles hábitos, tornando-os algo normal. É utópico falar que o acesso e o uso de drogas, por parte de adolescentes, hoje em dia é difícil.
Com pais usuários de cannabis, os filhos podem legitimar esse comportamento e seguir seus passos, caso não exista um diálogo aberto, esclarecedor e responsável. Isso depende de cada criação, círculo social e maturidade de cada um. É importante lembrar que o contato com a maconha, quando feito de forma irresponsável, pode, sim, causar problemas.
Fernando, que é fundador de um clube canábico, alerta que, apesar da posição pró-legalização, esse contato mais próximo, principalmente, “em países que tiveram um processo de legalização, acabou levando a uma incidência de crianças a terem acesso à cannabis; uma coisa que queremos evitar”.
Igor cita que, quando esse entendimento não é feito de forma correta, pode ser gerar muita confusão do que é “certo” e “errado”:
“Quando o jovem percebe que, em relação aos hábitos dos pais, o que acontece com ele é diferente dos colegas, pode se causar vários questionamentos e assim algum trauma de cunho social”.
A vida não é um filme
Hoje, por vários fatores sociais, as novas gerações parecem ser mais mente aberta e mais informadas do que antes. Isso leva à adolescentes e jovens mais esclarecidos sobre determinados assuntos, que antes sofriam bastante preconceito.
A maconha é um desses tópicos. O tema é debatido em todos os cantos. Filmes, internet, músicas, na escola, na esquina. Porém, ainda que esse avanço venha acontecendo, perante as leis brasileiras, a erva ainda não é legalizada. Ainda é crime apertar um baseadinho, sendo que cultivar a própria erva pode ser considerado um crime ainda mais grave; a pena varia de 5 a 15 anos de prisão.
Segundo Fernando Santiago, apesar dessa nova geração vir com menos preconceito sobre o assunto, é importante que os pais, ao ter essa conversa com eles, ressaltar os riscos reais que o uso da maconha pode causar.
“Percebo que muitos pais que procuram o trabalho que nós fazemos, mais sério e transparente, para saber como ter esse tipo de conversa com os filhos. O que eles querem, muitas vezes, é não ver o filho numa delegacia, ou os próprios pais serem vistos pelos filhos ou sofrerem algumas situação onde o filho o veja como criminoso”.
E ressalta:
“Acho que os pais devem passar para os filhos que não é seguro como eles acham. Eu vejo adolescentes ou pessoas de 18, 20 anos, acabando presos por acharem que é muito mais legalizado do que realmente é. É importante, por parte dos pais, alertar os riscos jurídicos que eles podem passar”.
Resumindo: o que fazer e como fazer?
Se o consumo for regular por parte dos pais, e sentir que os filhos já tem alguma maturidade para abordar o tema, é interessante abrir o jogo de maneira franca e responsável, alertando sobre suas escolhas e os perigos que envolvem esse consumo. Em todos os outros casos, é melhor tomar cuidado e não se expor.
Mas caso aconteça um flagrante, independente do consumo não ser regular, ou os filhos ainda serem imaturos, honestidade é importante para evitar traumas futuros; chame os pequenos para sentar e busque ter uma conversa afetuosa e esclarecedora. Os filhos precisam confiar nos pais, e vice-versa.
Vale dizer que, mesmo ao abrir o jogo, é importante ter um horário e um espaço específico para o consumo cannabico. Crianças e jovens, menores de 18 anos, não devem ter contato com a substância de forma alguma. Evidentemente, essa regra também deve valer para bebidas alcoólicas.