Selo “Dermatológicamente Testado” é seguro? E Clinicamente Testado?
Provavelmente você já viu em sua rotina o termo “clinicamente testado”. Para muitos essas duas palavrinhas significam segurança e confiabilidade, mas você sabe realmente o que a expressão significa? Siga com a gente e descubra!
Medicamentos, cosméticos, alimentos e até ração para animais, é cada vez mais comum nos depararmos com a definição ‘clinicamente testado’ no rótulo dos produtos.
Hoje, esse assunto ganhou ainda mais notoriedade devido à vacina contra a COVID-19 que está sendo aplicada em pessoas no mundo inteiro, inclusive no Brasil e foi clinicamente testada. Mas, será que podemos confiar nesses estudos clínicos. É isso que você vai descobrir agora!
O que significa o termo “clinicamente testado”?
De acordo com a biomédica, coordenadora de Estudos Clínicos da Fundação Pró-Renal, Rafaela Vale, a pesquisa clínica tem como objetivo a investigação de qualquer medicamento, moléculas, novos dispositivos ou novas tecnologias em seres humanos.
“Esses estudos devem passar por quatro fases, além da fase pré-clínica, que é a pesquisa do produto investigacional em animais ou in vitro, e essa investigação visa avaliar os riscos, benefícios para o participante, efeitos adversos”, informa a biomédica.
Em outras palavras, o termo clinicamente testado é usado quando um produto foi testado dentro dos padrões exigidos pela instituição responsável pela saúde em cada país. Em nosso caso, é necessário que haja aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Mas será que os produtos que possuem o termo cientificamente comprovado, necessariamente tem uma eficácia maior do que aqueles que são apenas clinicamente testados?
Qual a diferença do termo “clinicamente testado” para o termo “cientificamente comprovado”?
Ainda de acordo com a especialista, na pesquisa existem duas linhas a básica e a clínica. Ambas são comprovadas cientificamente. A pesquisa básica (“cientificamente comprovado”) se refere ao nível acadêmico, como projetos de iniciação científica, mestrado e doutorado.
Essas pesquisas são, geralmente, subsidiadas pelo governo. São estudos que focam na melhoria de teorias científicas, ou seja, é estudado um tema já existente onde os resultados trazem maiores informações sobre ele. Envolve verdades e interesses universais, ou seja, a investigação surge de um problema que já faz parte da sociedade.
Ao contrário da pesquisa clínica, que é utilizada geralmente para lançar um novo produto para a sociedade. Mas nem sempre é assim. Deixa eu dar um exemplo de pesquisa científica para você entender melhor.
Um exemplo prático
A técnica de enfermagem, e estudante do curso de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina, Elisandra Caetano, juntamente com as também estudantes, Jéssica Daiane Rosa e Rafaela Ribeiro de Oliveira, supervisionadas pela Dra. Enfermeira Ivonete Heidemann, elaboraram um trabalho de pesquisa que mescla a pesquisa básica e clínica: O Caminho do Álcool e a Promoção da Saúde, publicado no livro a Ciência da Saúde no Mundo Contemporâneo: Enfermagem.
O projeto contemplou 37 alunos do primeiro ano do ensino médio, de uma escola pública de Florianópolis. Com o objetivo de abordar a relação do álcool com os adolescentes. Foram feitos trabalhos lúdicos, questionários e conversas com os estudantes e educadores.
E o resultado científico foi o seguinte, 70% dos jovens daquele ambiente tendem ao alcoolismo, portanto, para tentar mudar esses dados, seria necessário capacitar a comunidade escolar e promover ações de combate ao alcoolismo juvenil.
Apesar desse exemplo, é verdade que os trabalhos científicos de pesquisa básica geralmente estão ligados à academia. No entanto, a pesquisa clínica está relacionada à indústria farmacêutica.
Dentro dessa realidade, a pergunta que fica é: será que a indústria pode manipular o resultado das pesquisas clínicas a seu bel prazer?
O poder da indústria farmacêutica
Normalmente os estudos clínicos são patrocinados pela indústria farmacêutica, e a gente sabe que quando há dinheiro envolvido, é normal que fiquemos desconfiados.
No entanto, é difícil acontecer manipulação nos resultados desses procedimentos, já que antes mesmo da pesquisa clínica iniciar ela precisa ser autorizada pela Anvisa e pelo CONEP (Conselho Nacional de Ética em Pesquisa) – instância máxima de avaliação ética em protocolos de pesquisa.
Falamos mais sobre o poder da indústria farmacêutica no último item desse artigo.
Após a autorização desses 2 órgãos é que começa o trabalho de verdade. Segundo a biomédica Rafaela a pesquisa tem 2 grandes fases dividas em subfases, veja como funciona para entender melhor.
Não é fácil obter o selo de “clinicamente testado”
- Pré-Clínica – Nessa fase são realizados testes em laboratório, podendo ser in vitro ou em animais (cobaias). Quando a molécula teve efetividade comprovada nessa fase passa para a fase seguinte.
- Clínica – Se divide em quatro subfases:
- Fase I: O produto que está sendo investigado será avaliado em uma população pequena e saudável, sem doença pré-existente. São estudos de curta duração e com número menor de indivíduos, avaliando dose e tolerabilidade. Por volta de 90% dos medicamentos que vão para a fase I, são reprovados e não passam para outras fases. Quando a droga é aprovada nessa fase, é direcionada para fase II.
- Fase II: São estudos para estabelecer segurança deste produto em curto prazo e avaliar a segurança. Nessa fase, o produto é enviado para a população que está sofrendo com o problema que precisa ser resolvido. Esse período de estudo dura em torno de um a dois anos.
- Fase III: Finalmente na fase III é realizado o estudo onde é realizada a comparação do produto ao tratamento padrão ou placebo e o número de participantes é muito grande (milhares de indivíduos) – É onde será determinada relação risco/benefício a curto e longo prazo. Essa é a fase antes do produto que está sendo avaliado entrar no mercado, portanto é demorada. Pode durar de 2-6 anos. Existe um acompanhamento contínuo com o paciente durante todo o período do estudo.
- Fase IV: É a fase de farmacovigilância. Nesta fase se encontram todos os medicamentos/dispositivos que estão disponíveis no mercado, avalia também a farmacoeconomia, É realizada para acompanhar o uso em milhares de indivíduos. Possibilitando assim o conhecimento de detalhes adicionais do produto, relacionados à eficácia e segurança.
Falando nisso, a vacina contra a COVID-19 é segura?
De acordo com os especialistas as vacinas contra Covid-19 foram cientificamente comprovadas, pois, foram clinicamente testadas. E conforme vimos, as pesquisas clínicas – quando aprovadas pelas agências reguladoras – possuem valor científico.
O enfermeiro pesquisador oncológico, Paulo Paiva, explica que as vacinas contra a Covid-19 foram testadas a partir da seleção aleatória de pessoas levando em consideração fatores necessários tais como idade, sexo e até mesmo cor. Para que, dessa forma, o estudo possa de forma maciça utilizar uma maior base genética de pessoas a serem testada.
“A testagem clínica acontece com a aplicação da Vacina em porcentagem da população e aplicado placebo em outra porcentagem. Dessas forma, pacientes são expostos a meios semelhantes e são realizados semanalmente bateria de exames para verificar como o organismo se comportou naqueles meios”, explica.
Paiva completa afirmando que, “a testagem clínica é de essencial necessidade pois expõe quantitativamente não somente a taxa de eficácia da Vacina, mas também a necessidade de doses para a imunização”.
Eu sempre devo confiar no termo “cientificamente comprovado”?
Sim. Mas o que falamos até agora se refere aos medicamentos. Quando o assunto é cosmético, por exemplo, o assunto muda um pouco. Todo o produto para ter o selo ‘clinicamente testado’ precisa passar por testes internos. E seguir a risca tudo que diz a Resolução da Diretoria RDC nº 07/2015.
Por isso, mesmo que empresas organizem os seus próprios testes, precisam obrigatoriamente estar de acordo com as parâmetros exigidos pelas agências de saúde nacionais. Caso contrário, não podem utilizar em seus rótulos o termo ‘clinicamente testado’.
Via de regra um produto ‘clinicamente testado’ tem mais chances de estar dentro dos protocolos de segurança, do que outro que não possua o selo.
Agora quando o produto recebe apenas o selo ‘dermatologicamente testado’ ou ‘oftamologicamente testado’ a história é outra!
Os selos “dermatológicamente testado” e “oftamológicamente testado” são confiáveis?
Depende. O termo significa que um dermatologista ou oftamologista testou o produto. Apenas isso. Ou seja, isso não significa que a pesquisa clínica foi conduzida, mas que ela foi aprovada por um especialista da área. Isso mesmo, um especialista.
O produto é avaliado no corpo humano sob o controle de um dermatologista ou oftalmologista – contratado pela fabricante – para verificar a possibilidade de reações. E é isso.
Por isso, é importante ficar atento se esses produtos também foram testados clinicamente!
O poder da indústria farmacêutica II
Apesar do selo ‘clinicamente testado’ ter o mesmo valor que ‘cientificamente comprovado’ na prática, vale dizer que os interesses econômicos tendem a ter impacto concreto inclusive nas decisões das agências nacionais, como detalhado nesse artigo publicado pelo Almanaque SOS:
- “Robert Hockett, pesquisador estadunidense, foi contratado pelos “gigantes do cigarro” em 1954 para criar novas pesquisas que colocassem em dúvida os resultados de outros estudos que apontavam o tabagismo como um grande fator no desenvolvimento do câncer de pulmão.”
- “Segundo esse artigo, publicado pelos pesquisadores no site científico PLOS Biology, a Sugar Association (Associação do Açúcar) financiou em 1965 uma pesquisa que consistia e analisar estudos publicados no site científico New England Journal of Medicine e descartar aqueles que comprovavam uma associação entre o consumo do açúcar e doenças cardiovasculares.”
- “Em 1970, a Sugar Association começou uma pesquisa para verificar os dados, fazendo testes com animais. Porém, quando os primeiros resultados comprovavam que de fato o consumo de açúcar poderia levar à doenças cardiovasculares, eles cancelaram a pesquisa e proibiram qualquer publicação dos resultados.
- “Dana Small, cientista da Universidade Yale, afirmou que trabalhou com a Pepsi por um tempo, desenvolvendo pesquisas cientificas. Ele revela que, assim que resultados apontando que o produto da empresa realmente trazia males à saúde das pessoas devido o açúcar, a pesquisa foi cancelada, o financiamento ao cientista foi encerrado, bem como todos os computadores usados pela sua equipe foram confiscados.”
E trazendo para o nosso país, vale lembrar de outro artigo do Almanaque SOS sobre o uso excessivo de agrotóxicos no Brasil, quando foi alertado sobre a forma nem sempre transparente da Anvisa agir:
- “De acordo com um nota publicada pela Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, além da falta de divulgação do processo, a rapidez com que a decisão foi tomada foge do tempo comum que uma decisão desse tipo levaria. A liberação para um outro produto parecido chegou a levar 20 meses, já para o benzoato de emamectina a decisão saiu em apenas 21 dias, um tempo recorde.”
- Um adendo relatado na época: “a nova pesquisa usada como argumento para o registro e liberação do agrotóxico ainda não foi apresentada pela entidade.”