Pessoas com depressão dão risada (e muita) mesmo antes do suicídio
Para quem não esteve por dentro dos últimos acontecimentos da internet brasileira, rolou uma mega treta no Twitter entre os gigantes do humor web, Carlinhos Maia e Whindersson Nunes.
Depois de Whindersson publicar uma sequência de “kkkk” (risada de internet), Carlinhos curtiu um comentário de uma seguidora do humorista que questionava o fato dele estar rindo, já que declarou recentemente estar lutando contra depressão.
Você será o primeiro quando entender o que é ser um. pic.twitter.com/pWkzupLRAA
— Whindersson (@whindersson) 23 de maio de 2019
Isso foi suficiente para que uma troca frenética de mensagens entre os humoristas, seguidores e outras celebridades esquentassem os ânimos na rede social. Resultado, Carlinhos Maia bloqueou todas as suas contas.
O comportamento tanto da seguidora quanto de Carlinhos mostra que ambos desconhecem, ou preferiram ignorar, o fato de que estar sorrindo tem absolutamente nada a ver com a presença ou não da doença.
Lembramos o ocorrido de 2017, quando Chester Bennington, então vocalista da banda Linkin Park, foi encontrado morto dentro de sua casa. A causa da morte: suicídio. Chester, que sofria com depressão, tinha 41 anos e horas antes de se suicidar estava assim, rindo à beça, como lembrou uma usuária do Twitter:
https://twitter.com/bruna_maar/status/1131744751756152834?s=12
Não estamos aqui para fazer julgamentos, mas precisamos ressaltar que a polêmica reflete o que pensa uma parte significativa da população brasileira – e de outros países com tendências conservadoras.
Além desse caso, Carlinhos Maia também está envolvido em denúncias de homofobia (mesmo sendo homossexual). Segundo o humorista, seu comportamento reflete o lugar onde viveu:
“Seria falso da minha parte fazer um discurso diferente. Venho de uma cidade pequena do interior do Alagoas, onde a cultura e o modo de pensar e agir é diferente de tudo que tenho vivido”, escreveu em uma publicação no Instagram.
Pensando no Brasil, isso revela o quanto nossa sociedade é carregada de preconceito e carente de conhecimento – inclusive ao lidar com uma questão tão complexa e séria como a depressão.
Nisso, o dado alarmante: cerca de 6% da população brasileira sofre com depressão (é o maior índice de toda América Latina!). Portanto, mais do que cancelar celebridades e sair xingando tudo no Twitter, a gente precisa conversar. A melhor forma de combater o preconceito é com afeto e informação.
O que é depressão?
A OMS conceitua depressão como um transtorno mental resultante de uma “complexa interação de fatores sociais, psicológicos e biológicos” e afirma que podem ocorrer episódios depressivos em graus leve, moderado e grave – tudo isso varia de pessoa para pessoa e depende da intensidade dos sintomas de cada um.
Pessoas com depressão podem ser felizes?
Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde, a depressão é a principal causa de incapacidade no mundo todo. Talvez por isso, sempre se associe a pessoa depressiva a alguém sempre triste e cabisbaixo. Mas não é o que a ciência afirma.
Estudos indicam que pessoas com diagnóstico de depressão, especialmente quando em tratamento adequado, podem vivenciar todos os sentimentos, inclusive felicidade e bem-estar.
Nesse mesmo sentido a OMS também afirma que “com cuidados adequados, assistência psicossocial e medicação” pode-se evitar que a depressão leve ao suicídio e garantir que os depressivos levem uma vida normal.
Qualquer pessoa pode ter depressão?
Sim. A OMS afirma que depressão é uma doença que pode afetar qualquer pessoa. Como falar sobre depressão ainda é certo “tabu”, há quem acredite que determinadas pessoas não possam ter depressão ou, pior, quem diga que depressão é “falta de Deus”.
Várias celebridades já falaram abertamente sobre seus quadros depressivos. Dentre elas os padres Marcelo Rossi e Fábio de Melo, a cantora Paula Fernandes, os atores Selton Mello, Adriana Esteves, Heloísa Périssé e Jim Carrey, as cantoras Adele e Demi Lovato e o jornalista Jorge Pontual.
Como diagnosticar depressão?
O diagnóstico da doença é clínico, ou seja: dispensa a realização de exames. Um profissional psiquiatra é quem faz o diagnóstico, considerando as informações relatadas pelo paciente e todo o contexto social e familiar. O Ministério da Saúde elenca alguns sintomas que podem dar indícios da doença, dentre eles destacamos:
- irritabilidade, ansiedade e angústia;
- desânimo, cansaço fácil, necessidade de maior esforço para fazer as coisas;
- diminuição ou incapacidade de sentir alegria e prazer em atividades anteriormente consideradas agradáveis;
- desinteresse, falta de motivação e apatia;
- falta de vontade e indecisão;
- sentimentos de medo, insegurança, desesperança, desespero, desamparo e vazio;
- dificuldade de concentração, raciocínio mais lento e esquecimento;
- diminuição do desempenho sexual (pode até manter atividade sexual, mas sem a conotação prazerosa habitual) e da libido;
- perda ou aumento do apetite e do peso.
Há alguns anos a Blurt, uma organização americana voltada à conscientização sobre depressão, fez uma importante campanha intitulada #WhatYouDontSee (O que você não vê): “As pessoas não ‘parecem’ deprimidas porque depressão não é uma expressão facial“, dizia a campanha.
“[Foto] Na véspera em que ela acabou no hospital, eles foram para uma festa de pais e filhos e tiveram um experiência maravilhosa. Felizmente, ela ainda está viva hoje e aprendendo a vencer sua doença. Ela tinha 8 anos na época.”
É um alerta para que a gente pare de julgar os depressivos pela fisionomia ou sorrisos e que reflita se vale consentir com celebridades que tratam a doença e outras questões tão sérias de uma maneira tão rasa.