Todo escritor tem um pouco de Bukowski — e não só os escritores. Vai me dizer que você nunca trocou aquela mulher chata, com quem você acabou de transar, por um bom uísque, nunca caiu na sarjeta disposto a encerrar um capítulo da vida, nunca desejou dar um pé no rabo do seu chefe e nunca praticou um sarcasmo impiedoso contra o mundo mesquinho?
Charles Bukowski foi um escritor alemão, radicado nos Estados Unidos, que morreu em 1994, publicou poemas, contos e, principalmente, romances que faziam os puritanos, os caretas e os legalistas ficarem de cabelo em pé. Sim, ele escrevia sobre sexo, bebedeiras, vida perdida nas noites mais vadias, mulheres mais vadias perdidas na noite.

A sua obra é extensa como foram suas bebedeiras. E não há dúvida de que refletem diretamente o estilo de vida do autor. “Cartas na Rua”, foi o primeiro livro a ser editado no Brasil e tem uma levada light: é a história de um carteiro e suas desventuras na rua. Outros vieram de enxurrada sempre pela editora LPM e consagraram sua literatura com bafo alcoólico também pelas bandas daqui. Cheque só essa pérola de sabedoria romântica-sexual:
“Mulheres: gostava das cores de suas roupas; do jeito delas andarem; da crueldade de certas caras. Vez por outra, via um rosto de beleza quase pura, total e completamente feminina. Elas levavam vantagem sobre a gente: planejavam melhor as coisas, eram mais organizadas. Enquanto os homens viam futebol, tomavam cerveja ou jogavam boliche, elas, as mulheres, pensavam na gente, concentradas, estudiosas, decididas: a nos aceitar, a nos descartar, a nos trocar, a nos matar ou simplesmente a nos abandonar. No fim das contas, pouco importava; seja lá o que decidissem, a gente acabava mesmo na solidão e na loucura.”
Sim, Bukowski eternizou a solidão e a loucura do homem violentado pela paixão por um rosto inocente, belo e feminino cuja crueldade só podia ser aplacada pelo álcool, se possível fazendo um glut-glut na garrafa, estirado numa calçada imunda de Los Angeles, atravessando o caminhos das putas, veados e travestis com quem irmanava suas angústias. ” Life is a shit and then you die”.

“Encontrei-me com Pete e Selma. Selma estava esplêndida. O que se pode fazer para arranjar uma Selma? Os cães acabam sempre com cães. Ela era bela e pertencia a um homem, a um professor da faculdade. Não era muito justo. Os sedutores bem educados. A educação era o novo deus, e os homens educados os novos senhores do mundo”.
Era assim que ele lançava um olhar distante a esse mundo, feito de pessoas limpas, educadas, belas, bem sucedidas, enquanto ele exorcizava sua exclusão com palavras que não mediam sarcasmos e dor. Pobre e perdulário, bêbado e lúcido, inquieto e sereno — pleno de contradições, mas sobretudo intenso: “Você pode ser um porco, mas tem que ter estilo”, dizia ele, com um cigarro apagado na boca e barba por fazer. E assim ele levou uma literatura crítica e sem pudor e outros que se danem.
Essas palavras que escrevo me protegem da completa loucura. Não sou eu o autor desta frase. É ele mesmo.
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