O que faz o Brasil ser um dos maiores consumidores de Rivotril do mundo?
Só em 2010 foram 2,1 toneladas desse remédio vendidos por aqui. O medicamento chegou a ser o segundo mais consumido no país, ficando na frente de remédios populares como Buscopan. No Brasil, o consumo de 29 mil caixas por ano, em 2007, foi para 23 milhões em oito anos, de acordo com a IMS Health.
Um estudo indicou que ao menos 2% da população do Rio de Janeiro faz uso do medicamento. De acordo com dados do portal da Anvisa, o clonazepan, principio ativo do Rivotril, foi o mais consumido entre 2009 e 2011 em São Paulo.
Rivotril é uma droga tarja preta, indicada para tratamentos severos de ansiedade. Ou seja, apresenta um alto grau de riscos para o consumidor, inclusive de dependência.
O medicamento surgiu como um substituto para o Gardenal, remédio para tratamento de pessoas com transtornos mentais. O Rivotril se apresenta como uma alternativa tão forte quanto, mas sem os efeitos negativos causados por ele.
A grande questão é que, na prática, o remédio é receitado como um calmante; por isso, muitas vezes não é necessária uma consulta formal para conseguir uma receita. Além do que, pacientes sabem o que o médico precisa ouvir para sair do consultório com uma prescrição.
Banalização da depressão e ansiedade
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) até 2020 a depressão será a doença mais incapacitante. Na pesquisa, o Brasil foi considerado o país mais ansioso do mundo, cerca de 9% da população sofre com o transtorno.
Em torno da questão ainda há muito preconceito e falta de informação. Por exemplo, é comum a depressão ser associada com algum tipo de “frescura” ou simplesmente com a tristeza. Bem diferente de ser o contrário de felicidade, a depressão é uma doença grave. Não há espaço para banalizar.
Páginas de humor que usam o transtorno como argumento para piadas.
Durante muito tempo, as questões da mente foram negligenciadas; enquanto tudo era coisa de “louco”, internar seguia como única solução. A lei que pois fim a cultura de internação compulsória é de 2001, sendo que a luta antimanicomial no Brasil teve início na década de 1970. Barbacena, conhecida como o holocausto brasileiro, ilustra bem esse período.
Assim, na última década houve uma mudança cultural radical, remédios que a sociedade rotulava como “para loucos” passaram a ser considerados amigos. Como da água para o vinho, transtornos e drogas foram banalizados. Com essa glamourização, usuários começaram a manifestar orgulho pelos medicamentos, transformando seu real significado – basta ver a quantidade de tweets diários sobre Rivotril (veja aqui).
Em tempos de crise e extrema competição, o medicamento virou febre entre executivos. Buscando contornar os problemas de alguma maneira, mesmo com a vida agitada, a droga promete paz em forma de pílulas ou gotas.
Case para smartphone e almofadas com estampas do remédio.
O que também ajudou a popularizar o medicamento é seu baixo preço. Brasileiros de modo geral têm usado a droga para combater insônia e lidar com conflitos em relacionamentos. E não é só ele, outros remédios da família dos benzos também têm sido usados assim, como Lexotan, Diazepam e Lorax.
Os benzos tiveram seu auge na década de 1970 nos Estados Unidos, que percebeu a questão e controlou o uso. Mesmo assim, o remédio é responsável por 31% das mortes causadas por remédios controlados no país. No Brasil, Dr. Elisaudo Carline, especialista em drogas, alertou para o perigo desses medicamentos ainda na década de 1990. Para o médico o uso desse medicamento deve ser tratado como questão de saúde pública.
Um dos grandes problemas do Rivotril é que ele é um medicamento eficaz no que se propõe, tem uma ação rápida, mas causa uma dependência sutil. E por isso causa abstinência. Isto é, quando a pessoa deixa de tomar os comprimidos ela sente insônia, irritabilidade, ansiedade, tremores, ou seja, os sintomas daquilo que a droga se propõe tratar.
Vale dizer que a ansiedade por si só não é um transtorno. Para ser considerada como tal, e assim precisar de medicamentos controlados, é preciso que a ansiedade não faça parte da personalidade da pessoa e que a motivação paras as crises tenham início e uma causa identificada. O único profissional capaz de fazer esse diagnóstico é o psiquiatra.
Para concluir, ansiedade é uma emoção comum para quase todo mundo. É ela que nos mantém alerta e nos ajuda em muitas questões básicas no dia a dia. Portanto, tal consumo irrestrito de pílulas “milagrosas” só faz bem à um grupo de pessoas: a indústria farmacêutica.