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Polêmica: azeite com rótulo vermelho é adulterado? E o verde?

01 de março de 2023
Postado por Bruno Oliveira

Em um de seus episódios, o podcast Mesa de Negócios, apresentado pela jornalista Inácia Soares, contou com a participação da Katya Salomão, sommelier e produtora de azeites artesanais. Dentre outras declarações, a especialista afirma que o rótulo vermelho presente em algumas marcas de azeite indica que o produto é adulterado.

Segundo Katya Salomão, azeites com rótulos vermelhos não têm ligação com a ideia de serem ideais para serem aquecidos e não devem ser consumidos. A fala da convidada produziu um corte que foi publicado no TikTok.

@mesadenegocios Entrevistei a sommelier Katya Salomão no meu podcast Mesa de Negócios. Katya buscou formação técnica em três países (Itália, Austrália e Uruguai) para ter segurança na condução da sua fábrica de azeites saborizados. As vendas já são realizadas para vários estados Brasileiros. A empreendedora tomou gosto pelos azeites saborizados quando era bailarina clássica e precisava de algum atrativo para deixar as saladas mais saborosas, já que ela controlava o peso com uma alimentação bem restrita. O podcast completo está no meu canal (link na bio). #diferencasentreazeites #azeitesadulterados #empreendedores #alimentossemlactose #podcast #podcastmesadenegocios #vidadeempreendedor #mesadenegocios ♬ som original – Inácia Soares

Para entender melhor a polêmica, conversamos com duas especialistas, a Lilia Zago, professora na UERJ e especialista em qualidade físico-química e sensorial de azeites de oliva e com a Cassia Malacrida, também professora na Unesp e especialista em Química de Alimentos. Então bora lá!

 

Qual é o significado dos rótulos nas embalagens de azeite

De acordo com as especialistas, os rótulos servem para indicar se o azeite é extra virgem ou apenas virgem, como normalmente é informado nas embalagens. Elas também afirmam que existem algumas características do produto que implicam nessa indicação do rótulo, como o nível de acidez:

“O que acontece é que algumas marcas comercializam azeites virgem e azeites extravirgem e então eles os diferenciam pelo rótulo, aí normalmente colocam o azeite virgem no rótulo vermelho. Por exemplo, o azeite para ser extravirgem deve ter um teor de acidez de, no máximo, 0,8%. Se o teor de acidez for acima de 0,8 e até 2,0% ele é classificado como virgem, e pode ser comercializado dessa forma, com o rótulo vermelho.”, conta a especialista Lilia Zago.

Azeite Galo com rótulo vermelho demonstra 1% de acidez, enquanto o de rótulo verde contém 0,5% de acidez.

Vale dizer que azeites com acidez acima de 2% podem fazer mal a nossa saúde.

“A cor do rótulo não indica adulteração do produto”

A especialista Cassia Malacrida contrapõe o comentário de Katya Salomão, dizendo que, apesar dos rótulos servirem para distinguir o azeite virgem do extra virgem, isso não quer dizer que o azeite virgem, do rótulo vermelho, seja um produto adulterado:

“Algumas marcas utilizam cores diferentes no rótulo para diferenciar o tipo de azeite comercializado e assim facilitar a visualização na hora da compra pelo consumidor. Geralmente o rótulo verde está relacionado ao azeite de oliva extra virgem e o rótulo vermelho ao azeite de oliva. A cor do rótulo não indica adulteração do produto.

Embora os rótulos normalmente indiquem o tipo de produto, isso também pode variar e, inclusive, todos os tipos de azeite podem ser adulterados, como explica a professora Lilia Zago:

“Essa questão do rótulo vermelho não é uma regra. Existem marcas que envasam no rótulo vermelho a linha de azeite extravirgem mais intenso (mais amargo e picante), ou então uma linha de azeite extravirgem mais frutado. Independente de rótulo vermelho ou verde, eles podem ser adulterados ou não.”

Sendo assim, fica claro que a informação trazida pela convidada do podcast está incorreta. Mas ainda precisamos saber quais tipos de azeite podem ser aquecidos ou não e o quanto isso tem a ver com o rótulo.

 

Mito ou verdade: existem azeites específicos para serem aquecidos?

Resposta rápida: verdade, mas há exceções.

De acordo com a especialista em Química de Alimentos, Cassia Malacrida, o azeite extra virgem (máximo de 0,8% de acidez) é o mais indicado para ser consumido em temperatura ambiente, enquanto o virgem (teor de acidez acima de 0,8 até 2,0%) para preparações envolvendo altas temperaturas:

“O ideal é utilizar o azeite de oliva extra virgem em preparações culinárias cruas ou na finalização de pratos quentes e o azeite de oliva (rótulo vermelho) para cozinhar, fritar ou grelhar.”

Ainda assim, a Lilia Zago, especialista em óleo de oliva, aponta que apesar de haver uma indicação ideal, como citado anteriormente, ambos podem ser aquecidos:

“Todos os azeites podem ser aquecidos, sem problema algum para a saúde. Já é comprovado cientificamente que o azeite é bem estável ao aquecimento, e isso se deve a sua composição química, especialmente pelo alto teor de ácidos graxos monoinsaturados (bastante resistentes ao aquecimento) e também pela presença de compostos antioxidantes, principalmente os compostos fenólicos.”

Contudo, ela também enfatiza que existem perdas sensoriais ao aquecer azeites que não são indicados para isso:

“Existe sim, alguma perda. Quando aquecemos o azeite, os compostos fenólicos, que são mais sensíveis ao aquecimento, diminui. Mas, ainda assim, mesmo depois de aquecido, e com alguma redução de compostos fenólicos, não há problema algum consumi-lo. O que se perde bastante, após o aquecimento, são as características sensoriais do azeite (principalmente o extravirgem), especialmente uma das principais características sensórias de um azeite extravirgem de qualidade, que é o aroma frutado (aroma de folhas frescas e frutos verdes).”

Resumindo, aquecer um azeite que não seja indicado para isso, como no caso do extra vigem, não vai fazer mal à saúde, mas pode modificar o sabor e aroma.

 

Como o azeite pode ser adulterado

De acordo com Cassia Malacrida, os azeites podem ser adulterados por serem vendidos como puro, quando na verdade foram misturados com outros ingredientes:

“Um azeite pode ser adulterado pela adição de outros óleos de origem vegetal (soja, milho, girassol) ou pela comercialização de azeites de baixa qualidade como se fossem azeite de oliva extra virgem.”

A Lilia Zago complementa, dizendo que quando um azeite é adulterado de má fé, isso provavelmente não vai ser indicado pelo rótulo:

“Ao abrir o azeite, podemos ter alguns sinais de fraude, mas, mesmo assim, ainda podem não ser suficientes para o consumidor, principalmente para aquele consumidor que não conhece as propriedades sensoriais de um bom azeite.”

O Almanaque SOS já denunciou algumas marcas de azeite (veja aqui e aqui também) que, em algum momento, foram proibidas de serem comercializadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) justamente por estarem com seus produtos adulterados.

 

Como saber se o azeite é autêntico

A especialista Lilia Zago sugeriu algumas características que podem indicar se o azeite foi adulterado. Ela indica observar a cor, aroma e sabor do produto:

  1. Cor: embora não seja um atributo que influencia a qualidade de um azeite de verdade, é preciso ser verde (ou um tom meio amarelado). Óleos muito claros ou transparentes, certamente não são azeites autênticos.
  2. Aroma: é preciso ter algum aroma frutado (aroma de folhas verdes, frutos verdes ou maduros), mesmo que seja bem suave.
  3. Sabor: embora aconteça em diversos graus de intensidade (a depender de vários aspectos, incluindo a variedade da azeitona), é desejável que o azeite de verdade e de boa qualidade tenha algum sabor amargo, ainda que seja bem suave. A presença de picância também indica que o azeite é autêntico.

Entretanto, a especialista em Química de Alimentos Cassia Malacrida complementou dizendo que ainda assim, a maneira mais assertiva de descobrir se o alimento foi adulterado ou não, é através de uma análise mais minuciosa:

“A adulteração de um azeite só pode ser descoberta por meio de análises de laboratório que avaliam e determinam quimicamente os diferentes componentes do azeite, podendo identificar a presença de compostos oriundos de outros tipos de óleos. Cada tipo de produto (óleo ou azeite) tem parâmetros de identidade próprios.”

 

Como comprar azeite com mais segurança

Segundo Lilia Zago, existem alguns parâmetros que podem te ajudar a diminuir as chances de levar para casa um azeite adulterado, sendo eles:

  • Adquirir garrafas pequenas: até 250 ml se o consumo for baixo, ou 500 ml caso o consumo seja diário. Azeites vendidos em garrafas plásticas e em grandes quantidades, podem estar adulterados.
  • Preço: azeites com preço muito baixo, certamente não são puros. Em 2023, produtos abaixo de R$ 15,00 já tem grandes chances de estarem adulterados. Podemos encontrar no mercado azeites extravirgem de verdade a partir de R$25,00, embora não sejam azeites de alta qualidade. Um azeite extravirgem importado* de alta qualidade (rico em compostos fenólicos) custa em média R$50,00. Todos esses valores que citei são para garrafas de 500ml. Já os nacionais de alta qualidade custam em média R$60 (garrafa de 250 ml).

*No caso de azeites importados, a especialista recomenda olhar no rótulo se o azeite foi produzido e ENVASADO no País de origem. Isso porque, segundo ela, um dos principais momentos onde se adultera o azeite é no envase, quando ele chega nas importadoras aqui no Brasil. É nesse momento que se misturam outros óleos ao azeite.

 

Quais são as desvantagens do azeite adulterado

A especialista Cassia Malacrida nos contou que as principais desvantagens de consumir um azeite adulterado está principalmente na “falha” nutricional do produto:

“Além do consumidor pagar mais caro por um produto de pior qualidade, ele não usufrui dos benefícios nutricionais do azeite de oliva, como a presença de vitaminas, antioxidantes (polifenóis) e outros compostos presentes especificamente neste tipo de produto.”

Mesmo assim, a Lilia Zago complementa dizendo que geralmente não há danos à saúde em casos de azeites adulterados com outros óleos:

“Se a adulteração for mistura com outros óleos, e se esses óleos forem comestíveis e de comercialização permitida pela ANVISA, não haverá grandes problemas para a saúde.”

Azeite lampante: acidez acima de 2% faz mal

Todavia, ela levanta um alerta para os casos em que o azeite pode estar adulterado com um tipo de azeite que é mais ácido, conhecido por lampante:

“Alguns azeites podem estar misturados a uma categoria de azeite que é proibido de ser comercializado no mundo todo (para fins comestíveis), que é o azeite lampante. Este azeite tem um teor de acidez acima de 2%, o que faz com que seja muito suscetível a alterações químicas que podem resultar em compostos tóxicos para o organismo.”

A especialista em qualidade físico-química de azeites completa:

“Além disso, os parâmetros que avaliam a oxidação do azeite também podem estar bem alterados no azeite lampante, ou seja, é um azeite oxidado (rancificado) e os compostos resultantes da oxidação são bem tóxicos para o organismo.”

 

Checklist dos cuidados com o azeite

Preparamos uma lista resumida sobre alguns cuidados que já mencionamos aqui e outros gerais para que você possa evitar problemas com azeites adulterados, de acordo com as especialistas consultadas:

  • Prestar atenção nas informações presentes na embalagem dos produtos.
  • Dar preferência aos azeites produzidos e envasados no local de origem.
  • Prestar atenção ao valor do produto e evitar marcas baratas.
  • A indicação no rótulo de termos como “óleo composto” ou “tempero misto” indicam a presença de outro tipo óleo (soja, girassol e outro) misturado ao azeite.
  • Adquirir azeites envasados em garrafas escuras e de vidro.
  • Adquirir azeites da safra recente (do ano presente) se possível, pois nem sempre essa informação está disponível no rótulo.
  • Conservar o azeite em local bem fresco (longe do fogão, por exemplo).
  • Dar preferência para azeites extravirgens filtrados: os azeites não filtrados podem ser comercializados, geralmente são mais intensos, mas também são mais susceptíveis às alterações químicas e sensoriais, ou seja, duram menos.

Blog do Chef Rene, http://gshow.globo.com/novelas/fina-estampa/blog-do-chef-rene/platb/2012/03/20/a-diferenca-entre-azeite-virgem-e-extra-virgem/, Verde Louro, OLIVE OIL QUALITY AWARDS, Nutri Total, Azeite Andorinha

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