Assistir pornografia em público é crime ou tá liberado?
No finzinho de 2016, um deputado federal foi flagrado assistindo um vídeo pornográfico no meio de uma sessão da Câmara.
Quando questionado sobre sua atitude, o deputado João Rodrigues (PSD-SC) se defendeu dizendo que estava apenas conferindo um vídeo enviado antes de apagá-lo. E então disse a frase que levanta uma importante questão: “o celular é meu“.
E aí, até que ponto o que você acessa em seu aparelho é pessoal quando se está em público?
“Nosso Código Penal possui as leis de ultraje público ao pudor (art. 233 e 234) que penalizam com até 1 ano de prisão e multa quem praticar ou consumir esses tipos de materiais em público”, explica o advogado Milton Janizelli.
Porém, o assunto ainda é meio bagunçado. Segundo Janizelli, a lei não contém estritamente um conceito de pornografia. “Ora fala em ato obsceno (um conceito que a própria sociedade estabelece variando de local e época dos fatos), ora usa o termo mesmo.”
Se smartphone é algo tão comum, por que não existem leis específicas para seu uso?
Simples. Nosso código penal foi feito em 1942. Então os profissionais do Direito precisam se virar com o que têm.
“O que ocorre, é que o delegado, o advogado e o promotor devem associar a pornografia com atos que a lei considera crime, por exemplo o artigo 234 do Código Penal que diz: ‘Fazer, importar, exportar, adquirir ou ter sob sua guarda, para fim de comércio, de distribuição ou de exposição pública, escrito, desenho, pintura, estampa ou qualquer objeto obsceno’.
Então, se uma pessoa consumir pornografia de forma que possibilite que as demais pessoas à sua volta também a consumam de forma indireta, o delegado poderá instaurar um inquérito alegando a exposição de algo obsceno, e, no caso de mídia – um vídeo no celular – também entraria por analogia”, esclarece o advogado Fabio de Oliveira.
Como definir os “níveis” de consumo de pornografia
É pornografia pura e simples? Um ato de vingança? É pornografia infantil? Cada caso é um caso, certo? Mas então como isso fica, legalmente falando?
Ambos os especialistas concordam que a única menção ao entendimento legal do tempo “pornografia” estaria no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), no artigo 241-B. Esse artigo criminaliza a posse de material pornográfico envolvendo menores de idade, estabelecendo que pornografia infantil seria “vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente”.
Também existe a Lei de Dignidade Sexual 12.015/09, em seu artigo 218-A: ‘Praticar, na presença de alguém menor de 14 (catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem.’
“Aqui, além do sexo a lei amplia a proteção contra qualquer ato libidinoso, que é por definição qualquer ato de natureza erótica em áreas erógenas”, ressalta Oliveira.
Mas o advogado chama a atenção para o fato do código penal versar sobre “objeto obsceno”, e não “pornografia”. E isso permite um monte de interpretações.
Isso quer dizer que eu não posso mais trocar mensagens picantes em público?
Depende. Se alguém conseguir ler o que você está escrevendo, não! E nem adianta fazer igual o deputado e falar que o celular é seu.
Oliveira lembra quando um ex-Ministro da Suprema Corte Estadunidense (Oliver Wendel Holmes Jr.) disse: “o direito de eu movimentar meu punho acaba quando começa o nariz de outra pessoa”, o que após algumas adaptações no Brasil ficou “o meu direito termina quando começa o seu” – sendo que a forma original é mais nítida.
“No momento em que a sua atitude ou seus atos começam a prejudicar ou constranger outras pessoas, o seu direito acaba. E no momento em que você age num local público não pode depois querer alegar falta de privacidade”, alerta o advogado.
Se você for pego fazendo uso de material pornográfico em espaço público fechado, como comércio ou transporte, por exemplo, você pode ser expulso convidado a se retirar.
Segundo Janizelli, “o indivíduo está causando mau estar público, um aviltamento de caráter moral ou psíquico às pessoas presentes no local ou estabelecimento. Na verdade, ser convidado a se retirar seria o menor dos problemas já que o indivíduo poderá ser acompanhado de autoridade para fins de estabelecimento de inquérito policial”.
Então não seria melhor criar logo uma lei pra isso?
Para Oliveira, embora o Brasil tenha avançado em diversos pontos no quesito lei, a verdade é que ele se encontra muito atrasado em outros. A pornografia é um exemplo.
“Diversos países criam leis para evitar o consumo excessivos e, obviamente, em público [pois já foram feitos estudos que demonstram as consequências, principalmente em jovens] mas a nossa pátria tem uma forma peculiar de trabalhar, que é na contramão – quando o problema ficar muito grande então toma-se uma atitude. E quando vemos um poder judiciário que não considera ejacular numa mulher dentro do ônibus um estupro, quem dirá assistir pornografia”, ressaltou o advogado.
Fábio de Oliveira também explica que artigo 61 da Lei de Contravenções Penais – que foi usada pelo juiz responsável pelo famoso caso de ejaculação em uma mulher – que versa sobre “importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor” poderia ser usado para o acesso de pornografia em público.
Mas tem um porém: o que é pudor?
“Segundo Nélson Hungria (s.d, apud SALLES JUNIOR, 1988, p. 288), pudor é o ‘sentimento de timidez ou de vergonha de que se sente possuída a pessoa normal diante de certos fatos ou atos que ferem a decência. Não se limita a vida ou a funções sexuais’. Poderia, assim, dizer que pudor é aquele sentimento de respeito que nutre a sociedade.
Entretanto, o que pode ser pudico para alguns, pode não ser para outros – e é a partir daí que surgem controvérsias no caso concreto, pois é o juiz, diante das circunstâncias variantes e de acordo com o local e costumes da sociedade, quem definirá o que vem a ser pudor. O modo ofensivo envolve a idéia de comportamento agressivo, que não foi definido na redação do artigo 61 da Lei das Contravenções Penais (SALLES JUNIOR, 1988).”
Enquanto isso, a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado aprovou recentemente um projeto de lei que tornaria crime a importunação sexual e a divulgação de cenas de estupro.
Isso significaria um grande avanço para sairmos desse terreno ainda tão pantanoso da lei, que versa sobre crimes sexuais e uso de material pornográfico.
O Artigo 215-A (Importunação sexual Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro. Pena – reclusão, de um a cinco anos, se o ato não constitui crime mais grave), projeto de 2015, foi assinado pelo Congresso e agora só espera a sanção presidencial.
O ponto positivo é que esse artigo finalmente traz o termo “importunação sexual” para os livros de direito – e isso significa que agora as pessoas que, por exemplo, assediarem no transporte público, podem ser presas em flagrante.
Porém, “peca um pouco na redação. Os outros projetos de importunação sexual diziam o mesmo além de taxarem alguns locais, como transporte público, tornando a lei mais clara”, explica Fabio.
Resumindo. Assistir um pornô maneiro em público pode, sim, acabar em processo judicial, mas isso não quer dizer que possa gerar alguma punição; a forma como a questão vai ser interpretada depende muito mais do juiz do que da lei.
[ATUALIZAÇÃO – 15/08/2018]
O texto teve seus últimos parágrafos modificados, para que pudesse abranger o Artigo 215-A.