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O que podemos aprender no meio da dor, da confusão, da incerteza?

29 de setembro de 2020
Postado por Marina Dutra

Tudo de ponta cabeça. A cada ano parece que temos menos certeza sobre o futuro. Esse artigo é justamente para você que está em busca de respostas, se é possível tirar aprendizados valiosos no meio da dor e da incerteza.

 

Sentir dor, seja ela sensorial ou emocional, confusão e ansiedade diante de tempos incertos e desafiadores é sempre desagradável. Do Zen Budismo aos ensinamentos filosóficos do anime Naruto, o que não faltam são abordagens sobre o assunto e formas de encararmos essas experiências de uma maneira mais sábia.

Provavelmente, se você chegou até aqui é porque o assunto lhe causa curiosidade ou você está em busca de respostas se é possível tirar aprendizados valiosos no meio da dor e da incerteza. Bem, estamos aqui para atender aos dois objetivos e detalhar mais a fundo esse assunto.

 

Afinal, por que a dor, confusão e incerteza são aterrorizantes?

Verdade seja dita: o ser humano tem verdadeira aversão à dor, confusão e incerteza. Ao procurar dados e curiosidades sobre esse tema, me deparei com a história da escocesa Jo Cameron, de 71 anos, e que é uma das duas (duas!) pessoas na Terra que não sente praticamente nenhuma dor.

Ela foi diagnosticada com uma rara mutação genética que nem o parto e uma cirurgia na mão foram capazes de fazê-la sentir dor, medo ou ansiedade. Parece demais, não acha? Nem tanto, viu. A própria Jo reconhece que a dor tem sua importância e uma razão de existir, pois ela significa um alerta.

É o que explica a psicóloga clínica que trabalha com Análise do Comportamento, Laura Costa Campos:

“Gosto de defender a ideia que qualquer reação do corpo é válida e tem a sua função, e não contestar isso é a melhor forma de você lidar com as suas dores”.

Contudo, a especialista diz que não contestar o que se sente não é se acostumar com o desconforto.

“Não contestar é reconhecer, é sentir, é perceber o que está desconfortável, é saber as funções existentes em relação a esses sentimentos, dores e emoções para fazer o melhor uso delas”, conta.

YouTube TED Talks, https://www.youtube.com/watch?v=17D5SrgBE6g

O neurocientista Beau Lotto diz que, do ponto de vista evolutivo, o nosso cérebro aprendeu a prever situações.

Porém, o danado do nosso cérebro sempre criou mecanismos para evitar que pisemos em terrenos desconhecidos. Em uma apresentação ao TED Talks, o neurocientista Beau Lotto diz que, do ponto de vista evolutivo, o nosso cérebro aprendeu a prever situações.

Beau cita os filmes de terror, que são sempre filmados no escuro, na floresta, à noite.

“A razão é porque morrer era fácil durante a evolução. Se não tivéssemos a certeza de que era um predador, seria tarde demais”, diz o neurocientista à plateia.

Ou seja, antigamente os nossos ancestrais não tinham o privilégio da dúvida e da espera. Logo, nós evoluímos para transformar a incerteza em certeza e fizemos isso por pura sobrevivência.

De acordo com a psicoterapeuta cognitivo comportamental e professora Sarita Ribeiro Roenick, uma das maneiras de lidarmos com emoções confusas, dores e situações incertas é passar a dar nome às emoções.

“E quanto mais eu me conheço, mais eu arrumo estratégias para lidar com as dificuldades, mais eu tenho consciência das minhas limitações e potencialidades para encontrar saídas inteligentes”, enfatiza a psicoterapeuta.

 

A incerteza nos leva a níveis de ansiedade extremos

Se, na pré-história, a maior ameaça ao homem era um predador, hoje a situação parece pior. Viver hiperconectado nos deixa cada vez mais sujeitos às imprevisibilidades e situações de riscos que causam dor, confusão e incerteza.

São tantas mudanças repentinas e excesso de informações que o nosso cérebro simplesmente não dá conta. A mente não está acostumada a lidar com um mar de opções.

O sociólogo polônes Zygmunt Bauman define o nosso momento da História como “modernidade líquida”, uma vez que tudo muda rapidamente, sem aviso prévio. Tudo é imediato e isso causa angústia e frustrações.

Unplash, https://unsplash.com/photos/KzvMsXgJ1VU

São tantas mudanças repentinas e excesso de informações que o nosso cérebro simplesmente não dá conta.

A pandemia de Covid-19 veio para provar que absolutamente nada está sob o nosso controle.

O coronavírus intensificou o medo, a preocupação e a insegurança do brasileiro, como revela uma pesquisa feita pela área de Inteligências de Mercado do Grupo Abril em parceria com instituto MindMiners. Seis em cada dez entrevistados disseram ter medo de perder o emprego ou lidar com uma redução do salário.  

No entanto, antes do coronavírus, o brasileiro já passava por maus bocados mentais. Dados de 2019 da Organização Mundial da Saúde (OMS) revelou que o Brasil tem o maior número de pessoas ansiosas do mundo. São 18,6 milhões de brasileiros (9,3% da população) convivendo com o transtorno.

Logo, quanto mais ficamos presos à incerteza, mais alimentamos o bichinho da ansiedade e mais dor, confusão e sofrimento causamos a nós mesmos. Então, o que podemos fazer?

 

A dor é inevitável, o sofrimento é interpretativo

Ouvimos frequentemente a frase acima. Na internet ela chega a ser atribuída ao poeta Carlos Drummond de Andrade, a Buda e até ao personagem Pain da série Naruto. Esqueçamos a sua origem para focarmos na sabedoria nela contida.

Geralmente, quando enfrentamos uma situação difícil, como a perda de alguém ou do emprego, nós não conseguimos enxergar nada de positivo. Em seguida, vem aquelas perguntas: “O que eu fiz para merecer isso?”, “Por que comigo?”.

De acordo com Sarita, realmente as pessoas não estão preparadas para lidar com a dor, frustração e incerteza.

“Porém, nesses momentos a gente precisa retirar as lentes de que tudo é negativo, ruim, e que não vamos dar conta, para colocarmos as lentes de aprendizes”, sugere.

No livro “Em Busca de Sentido”, Viktor Frankl, um neurologista austríaco que viveu no campo de concentração de Auschwitz, defende que o ser humano é capaz de enfrentar situações assustadoras e inevitáveis, principalmente se ele possui uma motivação para resistir e viver, sela ela qual for.

Vale reforçar que de maneira alguma podemos romantizar os terríveis momentos do Holocausto ou mesmo culpabilizar suas vítimas; como alguns “coachs” fazem por aí. Porém, alguns aprendizados podem ser absorvidos.

“O sofrimento é uma emoção que vem em consequência da nossa interpretação diante de uma situação.

Quando você entende que tudo passa, que nada é permanente, que não foi uma situação que você escolheu, olha só como a interpretação muda. Isso vai me trazer uma sensação melhor e me conduzir a ser mais estratégica em relação a esse problema”, explica a psicóloga Laura Costa Campos.

Como diria Buda, viver é sofrer. Mas essa dor revela ensinamentos transformadores, se souber interpretá-la.

 

Aprendizados diante do nunca antes imaginado

Para encerrar, vamos fazer um exercício e pensar em um personagem famoso ou até uma pessoa que você conhece e que passou por situação bem barra pesada.

São muitos os casos de pessoas que sacudiram a poeira e deram a volta por cima. De Stephen Hawking com a sua doença neuronal degenerativa às obras que o tornaram um dos maiores gênios da Ciência.

Da história da paquistanesa Malala Yousafzai, baleada na cabeça por talibãs quando tinha 15 anos ao sair da escola, à sua transformação como ativista pelo direito das mulheres à educação.

Ao seu redor mesmo deve ter aquela pessoa que escreveu um livro depois de sofrer um acidente de trânsito, ou aquele comerciante que perdeu tudo e precisou se reinventar em outra área.

Em toda a sua história, a humanidade viveu momentos aterrorizantes, que aconteceram assim, de supetão, como atentados, desastres naturais, acidentes. É claro que ninguém gostaria de passar por eventos traumáticos, porém, uma vez que alguém faz essa travessia angustiante, esses momentos podem significar uma chacoalhada na vida.

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Não é à toa que grandes invenções surgiram da incerteza e dor.

Segundo a psicóloga Sarita, quando sentimos dor, confusão e incerteza, temos a chance de ressignificar esses momentos para evoluirmos como ser humano.

Um estudo de 2018 da Universidade de Yale atesta: a incerteza nos ajuda a aprender. O cérebro recebe mais estímulos quando uma situação que estamos vivendo não tem um resultado previsível.

Não é à toa que grandes invenções surgiram da incerteza e dor. A criatividade também nasce do não saber. Portanto, o nosso conselho para você que está atravessando situações difíceis é se tornar observador de si mesmo. Nomeie as emoções de maneira honesta, de frente, sem filtros e fuga. Tentar manter o controle de tudo é uma bobagem.

Esteja disposto a esperar o inesperado e se atente à ideia de impermanência. Nada é permanente, tudo é transitório. Tudo passa, até a uva – com o perdão do trocadilho.

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