Queimadas não são naturais na Amazônia; todo incêndio tem mão humana (inclusive a nossa)
Uma coisa é falarmos que queimadas na Amazônia são comuns, já que – infelizmente – elas acontecem há muito tempo. Outra coisa bem diferente é acreditarmos que os incêndios na Amazônia têm “causas naturais”. Isso tem um nome: Fake News.
A cientista, ecóloga e pós-doutora Erica de Berenguer Cesar, que há 12 anos trabalha na Amazônia e, há 10, pesquisa sobre os impactos do fogo nesse espaço, compartilhou nas redes sociais um relato que nos ajuda a entender melhor algumas questões.
“Já vi a floresta queimando sob os meus pés mais vezes do que gostaria de lembrar. Me sinto então na obrigação de trazer alguns esclarecimentos enquanto cientista e enquanto brasileira, já que pra maioria das pessoas a realidade amazônica é tão distante”, desabafa.
O texto de Erica já foi compartilhado mais de 50 mil vezes, até esta publicação. Dentre várias informações importantes que a cientista apresentou, destacamos uma:
“incêndios na floresta amazônica não ocorrem de maneira natural – eles precisam de uma fonte de ignição antrópica ou, em outras palavras, que alguém taque o fogo”.
Berenguer explica que, diferente do que pode acontecer em ecossistemas como o Cerrado, por exemplo, onde o fogo faz parte da dinâmica de evolução do mesmo, na Amazônia isso não acontece.
Erica destaca que as árvores da Amazônia não são dotadas de nenhum tipo de proteção ao fogo e, com isso, sempre que pega fogo na floresta, uma parte imensa de árvores morre.
“Ao morrerem, essas árvores então se decompõem liberando para a atmosfera todo o carbono que elas armazenavam, contribuindo assim pras mudanças climáticas”, pontua a cientista.
Então, além da poluição resultante dos incêndios propriamente ditos, as queimadas ainda liberam o dióxido de carbono. Erica destacou que a Amazônia inteira ‘guarda’ o equivalente a 100 anos de emissões de CO2 dos Estados Unidos. Ou seja: as queimadas colocam MUITO dióxido de carbono na atmosfera.
Mas por que estão ateando fogo nas florestas?
Dados todos esses prejuízos ambientais, é natural que você esteja se perguntando por que raios estão ‘tacando’ fogo na Amazônia. E a resposta não é um grande mistério. Em sua publicação, Erica falou sobre isso também:
“Os incêndios, que são necessariamente causados pelo homem, são de 2 tipos: aquele usado pra limpar o roçado e o usado pra desmatar uma área”, explicou.
Inclusive, em outro artigo, alertamos que fazendeiros haviam dito exatamente a mesma coisa ao justificar o “Dia do Fogo” (quando queimaram áreas de pastagem na região sudoeste no Pará de maneira conjunta):
“queremos trabalhar e único jeito e derrubando e para formar e limpar nossas pastagens é com fogo”, disse um dos responsáveis pelas ações criminosas ao jornal local, Folha do Progresso.
Berenguer destacou que esses incêndios, que têm ocupado lugares nos noticiários em todo o mundo, são feitos com o segundo propósito: desmatar áreas. Eles representam a ‘última etapa’ do desmatamento com essa finalidade.
As árvores já foram derrubadas por tratores, já secaram na floresta e, agora, estão sendo literalmente reduzidas a pó. Qual o objetivo?
Criação de gado e monoculturas para ração:
Segundo dados compilados pelo INPE em conjunto com a EMBRAPA, e divulgados pelo Mídia Ninja, mais de 60% da área desflorestada na Amazônia foi destinada à pecuária. A agricultura de grande escala, como soja, ocupa 6,5% da área desflorestada, estando concentrada no Mato Grosso e no Pará.
Nossa carne, nossos hábitos de consumo, nossa destruição
E aí voltamos a um assunto que tratamos com certa recorrência aqui no SOS: como nossos hábitos estimulados pelo sistema econômico vigente estão nos levando para o abismo. Pode parecer exagero, mas não é.
Há alguns meses divulgamos um relatório da ONU que associa diretamente o consumismo à ameaça de extinção de 1 milhão de espécies animais e vegetais. Vamos resgatar um dado importantíssimo desse relatório (para ler o texto completo, clique aqui):
“Mais de 1/3 da superfície terrestre do mundo e quase 75% dos recursos de água doce são agora para agricultura ou pecuária”.
Os dados ilustram porque pecuaristas e agricultores de soja “precisam” atear fogo em florestas, inclusive na Amazônia. A exportação do agronegócio do Brasil atingiu recorde de US$ 101,7 bi em 2018 – é um mercado muito lucrativo e em plena expansão.
Analisando a situação, todos que consomem carne acabam financiando as queimadas; eu inclusa. Neste artigo falamos sobre a recomendação da ONU para esse caso: reduzir em 60% o consumo de carne vermelha para, ao menos, tentar minimizar os impactos do nosso consumo ao meio ambiente.
E não adianta se redimir da culpa. O mercado interno brasileiro responde por mais de 80% do consumo da carne bovina produzida no país, segundo dados da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). E mesmo sendo o segundo maior produto de soja do mundo, o Brasil exporta 60% da produção – o restante vira ração para o gado daqui.
Portanto, grande parte das florestas derrubadas viram bife no almoço do brasileiros.
A tabela abaixo revela o quanto ainda poderia ser explorado, caso não houvesse proteção:
E vale dizer que essa lógica destrutiva visando lucro não é invenção do atual governo; Brasil é um país que sempre produziu e exportou produtos de origem primária. Destacando-se as commodities minerais, agrícolas e ambientais. Enquanto isso, a ciência e tecnologia de ponta ficam em segundo plano.
Além de diminuir significativamente o consumo de carne, outras medidas podem ser tomadas. Erica explana algumas possibilidades:
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É preciso haver pressão da sociedade e vontade política;
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O governo deve assumir a responsabilidade pelas atuais taxas de desmatamento (o que não tem acontecido – veja mais aqui);
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O governo precisa parar com discursos que promovam a impunidade no campo (mais sobre o assunto aqui);
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Todos precisam entender que sem a Amazônia não há chuva no resto do país – sem chuva, não há produção agrícola e geração de energia; e que a Amazônia não é “um bando de árvores juntas”, mas nosso maior bem.
Erica finaliza sua publicação com uma profunda e sincera reflexão:
“É de uma dor indescritível ver a maior floresta tropical do mundo, meu objeto de estudo, e meu próprio país queimarem. O cheiro de churrasco acompanhado do silêncio profundo numa floresta queimada não são imagens que vão sair da minha cabeça jamais. Foi um trauma. Mas na escala atual, não vai precisar ser pesquisador ou morador da região pra sentir a dor da perda da Amazônia. As cinzas do nosso país agora buscam a gente até na grande metrópole”.
Revista Fórum, Facebook/Erica Berenguer, Época, G1, Toda Materia, Embrapa, SNA, diariomsnews (imagem de capa), thenewdaily (imagem de capa)