Afinal, o mundo está ficando melhor ou pior? Vamos aos dados!
Não é de hoje que escutamos que o mundo mudou muito e que a humanidade vai de mal a pior. Ouvimos de nossos pais, que ouviram de nossos avós, que também já ouviam o mesmo papo lá atrás, “Ah… no meu tempo que era bom”. Uma história contada de geração em geração, diariamente confirmada pelos noticiários e que, já, já, estaremos repetindo.
Mas será que é isso mesmo?
O psicólogo e linguista Steven Pinkel tem opinião diferente e diz que tudo isso não passa de conversinha apocalíptica propagada por uma onda de populistas contemporâneos. Heróis em busca de uma causa e que, para isso, constroem um cenário catastrófico para depois nos “salvarem”.
Pinker, nascido no Canadá mas naturalizado americano, diz, em suas palestras e livros, que o progresso só tem melhorado o mundo (“…apesar de não significar que tudo melhora para todos o tempo todo”) e que estamos numa curva ascendente em diversos quesitos que elevam o bem-estar da população mundial.
Em seu último livro, O Novo Iluminismo: Em defesa da razão, da ciência e do humanismo, de 2018, ele defende em números e argumentos sua hipótese de que o progresso é a solução de nossos problemas e não a ruína humana, como dizem.
O que os dados dizem?
Para ilustrar seu pensamento Pinker compara o mundo de hoje ao de 30 anos atrás, exibindo dados e informações que confirmam suas ideias:
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Em 2018 (ano do livro) 12 guerras estavam em andamento, 60 governos autocráticos seguiam no poder, 10% da população mundial estava abaixo da linha da pobreza extrema e tínhamos 10.000 armas nucleares em todo planeta.
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Trinta anos antes, em 1988, eram 23 guerras, 85 autocracias, 37% de população miserável e 60.000 armas nucleares.
Sem dúvida, uma mudança bastante significante.
Outros números levantados por ele mostram que nas últimas décadas até as mortes por acidente ou desastres naturais sofreram uma queda – 90% em média!
No Brasil, acompanhando os números mundiais, também reduzimos a pobreza e miséria da população como mostra o quadro abaixo (apesar de uma preocupante mudança a partir de 2015, por conta das crises financeiras e políticas).
Ele também contrapõe estatísticas dos últimos dois séculos:
Por boa parte de nossa história a expectativa de vida humana era de 30 anos contra aos 70, 80 atuais e 1/3 das crianças morriam antes dos 5 anos contra os menos de 6% da atualidade.
Por aqui, mais uma vez, o país segue esses números positivos, tendo uma perspectiva de vida elevada de 40 para 76 anos e uma baixa na mortalidade infantil dos quase 15% para pouco mais de 1% (comparando 1945 com 2018).
Enfim, para Pinker, todos esses dados só comprovam que o mundo nunca esteve tão bem quanto hoje.
Por que não sentimos isso em nosso dia a dia?
Segundo o psicólogo, há uma distorção sobre a realidade. Choque, surpresa e pessimismo: não à toa, essa é a fórmula de sucesso das fake news. Além das redes sociais, Pinkel alerta que a mídia, cada vez mais desesperada por audiência, se aproveita do interesse mórbido humano e prioriza as notícias relacionadas a violência ou desastres.
Outra questão lembrada por ele é que nos noticiários vemos o que acontece e não o contrário ou seja, os jornalistas falam sobre a guerra que acabou de estourar e não sobre as décadas de paz que aquele país viveu nos últimos tempos.
O mundo melhorou… pra quem?
Em dias como os nossos é bom saber que talvez nem tudo esteja perdido e, de alguma forma, estejamos evoluindo. Mas talvez também seja bom lembrar que estamos na era da pós-verdade e que uma mesma realidade pode ser vista por diversos ângulos.
Steven Pinker utiliza dados baseados em fatos de nossa história e sustentados por números oficialmente reconhecidos.
Mas, repare, um discurso a favor da manutenção de um sistema consumista pelo bem do “progresso” é algo tão animador quanto perigoso, porque dados inquestionáveis assim podem encobrir informações não tão prósperas.
Afinal, em um cenário tão humano e auspicioso, como pintado pelo especialista, onde se encaixariam os absurdos dados do constante aumento da desigualdade social?
Enquanto na China e na Índia, reunidas, 1 bilhão de pessoas não são mais consideradas pobres, há mais gente vivendo na extrema pobreza na África Subsaariana do que há 25 anos. Segundo artigo da BBC, o Banco Mundial não deverá bater a meta de reduzir o índice de pobreza para 3% da população até 2030.
“Estamos vendo um número decrescente de pessoas pobres pelo padrão absoluto [US$ 1,90 por dia ou menos], mas um número crescente de pessoas pobres, segundo os padrões dos países em que vivem”, disse Martin Ravallion, ex-diretor de pesquisa do Banco Mundial ao veículo.
Segundo relatório divulgado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), uma das agência da ONU, após três anos a fome mundial não diminuiu e a obesidade continua crescendo. Estima-se que mais de 2 bilhões de pessoas, principalmente em países de baixa e média renda, não têm acesso regular a alimentos seguros, nutritivos e suficientes.
Vale dizer que, segundo a Oxfam, a fome no mundo aumentou em 2019 – pelo quarto ano consecutivo.
Que tipo de bem-estar convive com o crescimento de movimentos extremistas de intolerância racial ou xenófoba? Ou com o encarceramento em massa de pessoas pobres e negras? E com o aumento exponencial de casos de feminicídio?
Que sentido de progresso é esse quando seguimos apostando no agronegócio, mesmo sabendo que o crescimento da agricultura em pequena escala é duas a quatro vezes mais eficaz na redução da fome e da pobreza do que o crescimento em qualquer outro setor? E quanto ao aquecimento global, estamos ganhando essa batalha?
Por fim, mas entre tantos outros absurdos, como um “mundo que nunca esteve tão bem” tem como mal do século a depressão?
Para se pensar, muito.
Assista a fala de Steven Pinker no TED (com legendas em português):
TED Talks, CCE Fiocruz, Agência IBGE, Notícias UOL, Nações Unidas Brasil, Exame, BBC, Sabrina Fernandes, Banco Mundial