A Odisséia de Morar Sozinho
Eles me fazem rir muito. Da minha e da desgraça alheia! Porque nos divertimos quando vemos que todos temos problemas com contas, solidão e bagunça. E que adoramos a liberdade e um canto pra fazermos o que bem entender. Ou absolutamente nada.
A Odisseia de Morar Sozinho é um perfil no Facebook, mas poderia ser qualquer outra coisa, inclusive um livro ou um programa de TV. O trio que cuida do seu conteúdo é formado por duas meninas e um menino: Tati Siqueira, Pati Tolentino e o Rhodney Rudoi.
Meninas falam mais do que meninos, então meu convite para a entrevista foi atendido prontamente. Mas a desculpa que o menino deu por não participar foi que trabalha mais do que a Tati e a Pati! Desculpas aceitas, Rhod! 🙂
Com a palavra as meninas da Odisseia!
Morar sozinho é o inferno ou o paraíso?
Tati – Depende muito do seu momento. Difícil classificar como “inferno”, mas, dependendo do seu estado de espírito, pode chegar perto disso. Logo que me divorciei e fui morar só, me senti no céu. Me deparei com a liberdade e a independência, poder fazer o que eu queria, na hora que eu queria e sem ter que dar satisfações pra ninguém. Como eu trabalhava à tarde e podia acordar ao meio-dia, eu saía quase todos os dias, exceto às segundas-feiras (pq não tem nada aberto), gastava horrores com baladas, mas morava num AP vazio: os únicos móveis que eu tinha eram um colchão de ar, um pufe e uma churrasqueira elétrica. Quando comecei a namorar e estava meio desconfortável ficar assim, parei de gastar com supérfluos, vendi meu carro e decorei todo meu AP. E reformei ele sozinha: pintei paredes, passei massa corrida, lixei, troquei lustres, tomadas, interruptores, torneiras, maçanetas, instalei cortinas, prateleiras. Inclusive reformei meu sofá, ficou novinho, haha. Sou a verdadeira Pereirão, mas tive que escolher: ou gastava pagando alguém pra fazer essas pequenas coisas sempre que estivesse precisando ou aprendia na marra. Preferi aprender, valorizo muito meu pouco dinheiro. Essa parte de ter que fazer as coisas eu já considero como a parte ruim, mas tudo é aprendizado. Além da louça e limpeza diárias, cozinhar etc., isso também é chato, e não dá pra fugir. Se vc estiver passando por perrengues financeiros e não se organizar, ter que arcar com as despesas sem a ajuda de ninguém e viver apertado pode ser o inferno. Às vezes a solidão também bate, essa é a pior parte. Há momentos que estou super reclusa e quero mesmo o silêncio, mas ele pode ser ensurdecedor e enlouquecer se você não tiver uma boa estrutura emocional.
Pati – Pra mim, a resposta é simples: no início do mês, morar só é a coisa mais linda. Você tem dinheiro pra sair, se divertir, beber, viajar… Tem no banco coisa de cinco mil a infinito. Uma loucura! O paraíso! Daí chega a época das vacas magras, que vem logo pelo dia 10, 15… Aí, se segura, passageiro, porque chegou o expresso para o inferno!
Quais são os cinco conselhos de ouro que vocês dariam pra quem está querendo se mudar?
Tati – Primeiro: parar de enrolar e ir logo! Se vc deseja ter seu próprio espaço, ser independente, ter privacidade, ou não se sente mais tão confortável onde está, tem que parar de desculpa e tomar uma atitude. Ninguém nunca vai ganhar o suficiente e nem ter tudo, então é bobagem enrolar se é o que vc quer.
Segundo: não sair de casa brigado. Porque nunca se sabe quando se vai precisar da ajuda da família ou até mesmo voltar. Isso pode acontecer, então é sempre bom deixar as coisas em pratos limpos.
Terceiro: planejar os custos direitinho, fazer uma listinha de gastos fixos mensais, e sempre pagá-los, prioritariamente. Não gastar o salário todo em uma semana, porque imprevistos sempre podem surgir (se conseguir fazer isso, conte-me como rs).
Quarto: Não deixar a bagunça acumular, porque é sempre mais trabalhoso depois (se conseguir fazer isso sempre, por favor também conte-me como rs).
Quinto: não entrar em coma alcoólico bebendo sozinha(o) depois de uma decepção amorosa. Pode ser perigoso, acredite!
Pati – 1. Não blefe. Se quer ir morar sozinho, OPA! JÁ FOI!
2. Não gaste todo o seu dinheiro com fofuras tipo aquela poltrona liiiiinda de 3 mil reais. Se você for duro, vai te fazer uma falta danada. Principalmente pra cerveja (não, eu não comprei uma dessas, mas já joguei muito dinheiro fora com bobagem).
3. Seja organizado, ao contrário de mim. Acredito que a vida de uma pessoa muda quando ela consegue controlar seus gastos, anotar tudo direitinho e tal. Taí um sonho na minha vida.
4. Não beba mais do que pode aguentar. Não tem mamãe pra segurar o seu cabelo e limpar seu vômito de manhã. Nem pra lavar seu edredon. Nem pra te fazer um chazinho de boldo.
5. Se seus pais tiverem a chave do seu apartamento, evite dormir acompanhado e sem roupas, principalmente próximo a datas festivas. Eles podem resolver te fazer uma surpresinha bem cedo. Segundo relatos que li outro dia no grupo da Odisseia, isso pode ser um pouquiiiinho traumático para todas as partes envolvidas.
Vocês andam mesmo pelados pela casa ou é charme?
Tati – SIM!! Principalmente no calor, nada mais libertador. Agora mesmo estou assim, quando vira costume, ficar em casa vestida incomoda. Já chego tirando tudo, e a casa fica com roupa e sapato espalhado por todos os cantos.
Pati – Ah, pelada não. Não é uma coisa que eu curta muito. Mas é libertador andar de camisa e calcinha pela casa. Ou maltrapilha feito uma mendiga. Acho lindo.
Expectativa e realidade se encontram em algum momento?
Tati – Com certeza. Especialmente quando a expectativa é chegar em casa e não fazer nada que eu não esteja com vontade. Ou não ter que dar satisfações, receber quem quiser a hora que quiser etc. Expectativa que nunca se torna realidade: querer uma casa sempre organizada ou ter dinheiro sobrando. Amadureci bastante e hoje consigo uma certa organização, mas demorou, viu?
Pati – Expectativa e realidade se encontram quando você percebe que não tem ninguém pra te encher o saco pra arrumar o quarto ou lavar a louça. Daí este sonho maravilhoso vira pesadelo quando você começa a se identificar com um episódio de “Acumuladores”.Mãe, volta pra mim!!!
Quais são as suas maiores referências? Quem vocês curtem?
Tati – Olha, eu gosto muito daquele seriado americano “Sex and the City”. Os dilemas amorosos, o medo de ficar sozinha e da solidão, a rotina de morar numa cidade grande e quase nunca cozinhar, os conflitos com o namorado que não libera a chave de casa ou com o namorado que se muda pro seu AP e vc não sabe como dizer pra ele ir embora, os rolos que a gente traz pra casa sem conhecer direito e depois se arrepende, problemas financeiros, me identifico com quase tudo. Já perdi a conta de quantas vezes assisti à série e tenho todas as temporadas.
Pati – Tipo na vida? Tento ter o caráter do meu pai e o pique superjovem da minha mãe. Eu sou mais velha que ela. Também tento ter o talento da Janis Joplin, mas aí é outro patamar de dificuldade… rs
Tudo acaba em miojo?
Tati – Nem sempre. Principalmente porque miojo enjoa – e mais rápido do que a gente imagina. A praticidade dele é impagável, mas quando a gente enjoa, rolam umas substituições, como pão com ovo ou arroz pronto de saquinho. Mas confesso que ainda compro, para emergências. E enquanto ele não acaba, eu não cozinho rs. E olha que não suporto mais o cheiro, mas como à força por pura preguiça.
Pati – Olha, eu já gostei muito mais de miojo. Hoje em dia, só por necessidade. Acho que todo mundo que mora sozinho há bastante tempo já passou por isso. Aliás, eu pesava bem menos na época do macarrão instantâneo. Hoje em dia, se não tem um dinheirinho pro delivery (ahhh, o delivery! Quanto amor!), tudo acaba em ovo mexido com cebola e tomate (experimenta! É uma delícia!).
Todos moram sozinhos? Os posts são livremente autobiográficos?
Tati – Todos moram sozinhos, ou já moraram. Eu moro sozinha porque me divorciei. Rhodney porque os pais resolveram se mudar para outra cidade. E Patricia porque mudou de cidade para estudar e trabalhar (ela morava no interior do Rio e foi para a capital). Atualmente, a Pati divide AP com mais duas pessoas. Mas eu e Rhodney continuamos nessa vida solitária (e maravilhosa). Os posts são totalmente autobiográficos e reflexivos. Falamos do nosso cotidiano, do que estamos sentindo, reclamamos bastante da faxina, da solidão que bate às vezes, de ter que cozinhar etc. rs. Mas para não fazer da página um diário pessoal e fazer com que as pessoas se identifiquem e se sintam inseridas, quando reflito sobre algo procuro sempre colocar a palavra “você” na frente, ao invés de “eu”. Considero que dessa forma nos aproximamos mais do público, pois é o nosso objetivo. E nosso público é super restrito, no Brasil não é comum pessoas morarem sozinhas, e apesar disso estar mudando ainda não é tão comum. Quando menciono para alguém que moro sozinha, com frequência sinto um estranhamento ou uma certa surpresa.
Pati – Morei sozinha até pouco tempo atrás. Recentemente precisei me mudar para ficar mais perto do trabalho e, como os preços na Zona Sul do Rio são exorbitantes, arrastei mais dois comigo.Os posts, em geral, são autobiográficos. Acho que a gente sempre tenta ilustrar o perrengue nosso de cada dia.
Além do Face, vocês pensam em expandir suas fronteiras?
Tati – Com certeza pensamos sim. Mas ainda não temos uma ideia exata de como fazer isso. Já pensei em criar um vlog no You Tube com vídeos engraçados sobre o cotidiano de morar sozinho, mas e o tempo pra se dedicar a isso? Também quero em breve criar um blog com o título da página, e inclusive já registrei o domínio. Um projeto para o futuro é escrever um livro com crônicas contando as aventuras e desventuras de pessoas que moram sozinhas. Se o livro gerar alguma receita (afinal ser escritor não faz ninguém rico hoje em dia, infelizmente), ela será revertida para o Lar Redenção, um abrigo de crianças, adolescentes e idosos com deficiência que foram abandonados pelas famílias (fica na Mooca, zona leste de SP). Esse lar tem um trabalho lindo e não recebe ajuda do governo, e desde minha adolescência, quando visitei o lar pela primeira vez, tenho o sonho de ajudá-los de alguma forma.
Pati – Ah, eu penso em dominar o mundo, mas fica difícil sendo tão dura por não ter com quem dividir as contas, sabe? rs De verdade, gosto da ideia da Tati de escrever um livro e escrever posts maiores num blog.
Como o trio se formou? Como cada um colabora?
Tati – Quando eu criei a página, eu postava sozinha. O Rhodney entrou como moderador bem no comecinho, temos muitos amigos em comum e eu descobri que ele também morava sozinho, e o convidei para participar. A Patricia entrou mais ou menos um ano depois. Ela participa do grupo do Facebook com o mesmo nome, e como trabalha na área de comunicação, é criativa e muito inteligente, achei que ela tinha potencial pra moderar e criar conteúdo, e a convidei. Já tivemos outras pessoas também, que acabaram não dando certo por terem perfis diferentes. Então atualmente somos três, e está dando muito certo. Cada um posta aquilo que estiver sentindo. Eu costumo refletir bastante e anotar o que estou pensando, aí depois transformo em frases e textos, ou crio imagens que exemplificam meus pensamentos e minha rotina.
Pati – Há uns seis anos, na época do finado Orkut, eu já fazia parte da comunidade da Odisseia de Morar Sozinho. Passou o tempo, o Orkut morreu, chegou o Facebook e, finalmente, descobri, por acaso, o grupo da Odisseia por lá. Logo que entrei, tinha um post da Tati pedindo ajuda pra moderar o grupo, que estava crescendo. Como eu tinha bastante tempo disponível, fui logo me oferecendo pra ajudar. Eu não tinha intimidade nenhuma com ninguém e acho que a Tati nem foi muito com a minha cara por isso (agora ela me ama. rs). Ela acabou cedendo aos meus encantos e me chamou para moderar o grupo e, mais tarde, a página. Fiquei me sentindo superimportante.
Quais os posts mais bombados? Quais vocês sonham em fazer?
Tati – Apesar de o Facebook ser uma rede social que direciona muito as pessoas para imagens, nosso público sempre prefere frases ou textos reflexivos, são eles que sempre fazem mais sucesso. Por isso damos prioridades a eles. Queria muito fazer um vídeo parodiando o do Rei do Camarote, mas falando do cotidiano de morar sozinha. Ainda farei rs.
Pati – Os que bombam mais são os reflexivos ou aqueles em que a gente se ferra, tipo “tô suando feito um porco e o chuveiro queimou” ou “ainda é dia 6 e já estou contando moedas”. Os posts que “contam vantagem” de morar sozinho também fazem bastante sucesso. As pessoas gostam de se identificar, na alegria e na tristeza. Na riqueza e na pobreza, literalmente. Sonho com a coragem para os vídeos, mas sofro com timidez aguda, embora ninguém acredite em mim.
Texto originalmente postado por Daniela Pereira para o blog