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Entregador teve mal súbito e foi socorrido por clientes.
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Rappi não prestou socorro ou atendimento, apenas pediu para que dessem baixa no pedido.
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SAMU e Polícia Militar também não prestaram socorro.
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Motorista da Uber se recusou levar o trabalhador ao hospital.
Alguns acontecimentos nos levam a refletir sobre questões sociais da atualidade no Brasil, especialmente sobre situações que impactam nosso dia a dia.
Há alguns dias falamos aqui no SOS sobre como a uberização das relações de trabalho precarizou – e muito!!! – as condições em que os trabalhadores exercem suas atividades.
Pois uma tragédia nos faz voltar a esse tema: no último fim de semana, Thiago de Jesus Dias, 33 anos, sofreu mal súbito enquanto realizava uma entrega pelo aplicativo de entrega Rappi. Era noite, a temperatura estava em cerca de 5ºC. Ele chegou para entregar o pedido se queixando de fortes dores de cabeça, náuseas e pressão baixa.
Quem relatou isso foi a advogada Ana Luísa Pinto. Ana, que havia feito o pedido, fez um publicação no Facebook detalhando, indignada, o ocorrido:
Resumindo:
- Fazendo frio de 5ºC, o entregador chegou para realizar a entrega com forte mal estar;
- Percebendo a situação do entregador, os clientes prestaram a assistência que era possível enquanto tentavam chamar por socorro;
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A Rappi pediu apenas que dessem baixa no pedido para que a empresa avisasse os próximos cientes que o pedido atrasaria;
- O SAMU não foi socorrer a ocorrência – mesmo com várias ligações e relatos da emergência do caso;
- A polícia também foi acionada e nenhuma viatura compareceu;
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Um motorista da Uber, que havia sido chamado pelos clientes para levá-los ao hospital, se recusou a realizar a corrida;
- Thiago chegou ao hospital, duas horas depois, em um carro particular de amigos e foi para a UTI – seu diagnóstico foi AVC -, ele faleceu ainda no hospital.
Isaque, irmão de Thiago, afirmou à Veja SP que os médicos relataram um aneurisma cerebral e mencionaram a demora no atendimento como uma das causas da morte do entregador.
Em nota à Veja SP a Rappi, empresa que em 2018 valia US$ 1,1 bilhão, afirmou que “lamenta profundamente o falecimento e se solidariza com os seus familiares. A empresa reforça ainda que está apurando os fatos e está aberta a colaborar com as autoridades“; mas não emitiu pronunciamento oficial, respondendo apenas à imprensa.
Nas redes sociais, internautas estão cobrando mais:
A tragédia ocorrida com Thiago poderia ter acontecido com qualquer outro entregador de aplicativos, profissionais que trabalham entregues à própria sorte, sem o mínimo de respaldo das empresas empregadoras – ainda que elas não admitam a existência de vínculo empregatício.
Um bom exemplo dessa exploração foi destacada pelo entregador Victor Souza ao Jornal do Estado de Minas (EM), quando ficou 15 dias sem trabalhar – e sem receber – por causa de um acidente em que fraturou o osso da canela:
“Estava correndo por causa do horário da entrega. O aplicativo ainda me descontou os R$ 16,90 do açaí que não consegui entregar. Com dois filhos pra criar, não dá para parar. No começo é uma maravilha, agora a gente sofre com a concorrência”, disse.
Esses profissionais prestam os serviços como Micro Empreendedores Individuais (MEIs) – isso garante que realizem contribuição para a previdência, mas ao mesmo tempo isso é usado como ferramenta para ‘afastá-los’ dos demais direitos trabalhistas, como férias, 13º salário e auxílio-acidente.
Ausência de atendimento do SAMU
Dados levantados pelo UOL mostram que o atendimento do SAMU piorou após reestruturação realizada pela prefeitura de São Paulo (comandada pelo PSDB): o serviço atende menos pessoas e o atendimento demora mais para ser realizado.
Em nota à Veja SP, a Secretaria Municipal de Saúde, a quem o SAMU está vinculado, afirmou que “lamenta o ocorrido e informa que abriu um procedimento interno de apuração para verificar todas as circunstâncias que envolveram este atendimento. Após sua conclusão, a direção do órgão irá adotar as medidas cabíveis“.
Uberização das relações pessoais
Mais do que escancarar a precariedade da atividade dos entregadores, a tragédia com Thiago nos remete a outra triste verdade: além do trabalho, estamos precarizando as relações sociais – a recusa do motorista em prestar socorro é prova viva disso.
A revolta que o fim trágico do entregador causou nas redes sociais pode servir de alento e mostrar que não estamos todos contaminados pela individualidade. Mas precisamos de mais.
A escravidão acabou ou foi reformulada? O individualismo frio e pragmático do sistema econômico e social vigente, que coloca o lucro sempre em primeiro lugar, precisa ser repensado ou estaremos novamente fadados a mera mercadoria.