10 Dicas de ‘Comunicação Não-Violenta’ para ter sucesso profissional e pessoal
Atualmente, poucas coisas são mais necessárias do que um pouco de paz. Como exemplo, basta analisar a taxa de feminicídio no Brasil. Entre 2012 e 2017, segundo o Atlas da Violência 2019, a taxa de homicídios de mulheres cometidos dentro de casa cresceu 17,1%. De acordo com a pesquisa, o número de mulheres mortas por arma de fogo na residência também aumentou, ficando em 28,7%.
E aí que entra a resposta para conflitos violentos que vem destruindo o bem-estar social: a Comunicação Não-Violenta (CNV) pode proporcionar uma possibilidade de promoção da paz. Um levantamento feito por Vahideh R. Rabbani Jalali e Ilda Lima Barros, especialistas no tema, revela exatamente essa possibilidade.
Elaborada em 1960, pelo psicólogo estadunidense Marshall Rosenberg, a CNV é uma abordagem que visa aprimorar os relacionamentos pessoais e profissionais, ensinando a trabalhar os conflitos interpessoais de maneira mais saudável e compassiva.
Segundo os profissionais, a CNV pode ser utilizada em todas as relações interpessoais que exijam domínio próprio e equilíbrio. É o caso, por exemplo, de um diálogo entre amigos, em um relacionamento afetivo ou familiar, no trabalho, na vida em sociedade como um todo. Após inseri-la em sua vida, ao poucos ela vai fazendo mais sentido.
Abordando principalmente o “falar” e “ouvir”, a Comunicação Não-Violenta sintetiza uma forma diferente de nos comunicarmos com nós mesmos e nos torna mais verdadeiros e sinceros. A partir dela, passamos a entender melhor as necessidades dos outros e expor com mais clareza as nossas necessidades.
Mas não fica apenas nisso, além da conexão interpessoal, ela também pode ser utilizada durante uma conexão individual e sistêmica – nossa relação com os sistemas que fazem parte das nossas vidas.
Como incluir a ‘Comunicação Não-Violenta’ no dia a dia
Abaixo, com a ajuda das especialistas em CNV, Thaís Ribas, psicóloga, e da Ana Garcez, especialista emocional, criamos uma lista prática para você que quer incluir a Comunicação Não-Violenta no seu cotidiano.
1. Ouça de verdade e faça perguntas, ao invés de deduzir
Em meio a uma conversa, procure ouvir. Ao invés de deduzir possibilidades, ouça de maneira presente o que o outro tem a dizer, sem o ímpeto de responder em seguida. Precisamos treinar o nosso cérebro para não agir impulsivamente.
Por exemplo, se alguém disser: “Você está fazendo isso errado”; não crie histórias na sua cabeça, como: “Você não sabe fazer nada, é um idiota e faz tudo errado”; o melhor a fazer é ouvir tudo o que a pessoa tem a dizer, para só então questionar o interlocutor: “Por que estou fazendo isso errado?” ou “Onde estou errando?”.
Assim, além de parar de deduzir quais podem ser esses erros e porque a pessoa está dizendo isso, e se culpar por isso, você ainda ganha a oportunidade de melhorar suas habilidades!
2. Se esforce para compreender o que está sendo dito
A comunicação clara é extremamente necessária. Quando duas pessoas discutem, por exemplo, fica muito difícil escutar um lado que não seja o nosso, por isso, tente perguntar novamente o que foi dito e dê uma pausa para respirar com calma e atenção, deixando o cérebro trabalhar.
Se você, mesmo ao refletir, não entender com total clareza, peça para que te esclareçam. Dúvidas podem gerar más interpretações, que geram conflitos.
3. Seja sempre claro em suas colocações
Seja verdadeiro e objetivo. Por isso, não faça rodeios. Não espere que a outra pessoa entenda plenamente o que você está dizendo se você não consegue passar a sua mensagem com total clareza. Como diria Albert Einstein, “se você não consegue explicar algo de modo simples é porque não entendeu bem a coisa.”
Vale dizer que também é muito importante estar aberto e solicito, caso a outra pessoa não tenha entendido o que foi dito.
4. Se respeite, respeite o outro e se faça ser respeitado
Para entender as necessidades das pessoas, começamos por respeitar sua forma de pensar, sentir e falar, assim como exigimos para nós mesmos.
Seu namorado fala que está incomodado com uma possível amizade entre você e um rapaz do trabalho. Talvez não seja nada, até porque você garante o acordo que fizeram, e acha que deixou isso claro. Mas na CNV nós trabalhamos a empatia. Todo sentimento é válido. Então, se teu namorado está incomodado, que tal entender os possíveis motivos para isso?
Talvez algo não está tão claro como você acreditava e vocês podem trabalhar nisso juntos.
5. Perceba a negatividade do seu discurso (e busque alterá-lo)
Procure deixar a negatividade de lado e pratique se comunicar de forma mais positiva. O artigo do especialista em experiência do usuário e CNV, Heller de Paula, detalha bem essa questão ao listar como usamos da negatividade em nossa comunicação diária. Depois dessa lista, detalhamos o passo a passo da CNV para lidar melhor com essa negatividade.
As 7 principais ações que alimentam uma comunicação violenta são:
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Apresentar pensamentos e opiniões como se fossem sentimentos verídicos – o que acontece principalmente quando se usa o verbo sentir acompanhado de “que”, “como” e “como se”, o que se agrava ainda mais quando aparecem pronomes em seguida (eu, ela, ele, eles, isso, você ou até mesmo algum nome específico).
Exemplos: “Eu sinto que você não me entende”; “Eu sinto que ela não gosta de mim”; “Eu sinto que a Maria não vai com minha cara”.
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Comunicar nossos desejos em forma de exigência insinuando punições ou retaliações caso eles não sejam atendidos.
Exemplos: “Guarde seus brinquedos ou você não vai poder sair”; “Espero que você entregue esse relatório até sexta para não termos problemas mais sérios”; “Se você não me der mais atenção vou acabar achando que você não me ama”.
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Fazer comparações diversas de forma a inferiorizar ou julgar os outros ou a nós mesmos.
Exemplos:“Pedro, por que você não fica quieto como a Patrícia? Olha como ela é bonitinha”; “Joana tem um corpo lindo, nunca vou conseguir isso”; “João está entregando os relatórios muito mais rápido que você, o que está acontecendo?”.
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Fazer generalizações a partir de situações específicas ou pontuais de forma a criar uma imagem distorcida do todo.
Exemplos:“Você é muito bagunceiro. Mais uma vez não arrumou o quarto antes de sair”; “Atrasada de novo? Você é muito desorganizada”; “Você tratou a Maria mal, você é muito grosseiro”.
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Fazer julgamentos moralizantes, no qual quem pensa diferente de nós é totalmente errado ou mau.
Exemplos: “Você só pode ser bandido, já que defende esse partido político”; “Pessoas como você que gostam desse tipo de gente tem mais que apanhar mesmo”; “Quem apoia bandido devia ser preso também”.
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Terceirizar nossos sentimentos, responsabilidades e atos para outras pessoas ou situações, nos colocando como vítimas incapazes de alterar nossa realidade.
Exemplos: “Só fiz isso porque não tinha opção”; “Queria muito usar isso, mas o que eles vão pensar”; “Eu queria ir, mas meu namorado vai ficar chateado se eu for”.
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Usar palavras “sempre”, “frequentemente”, “nunca”, “jamais”, “raramente” e outras como verdades absolutas, não declarando nossa responsabilidade sobre essas percepções.
Exemplos: “Você está sempre atrasada”; “Eles nunca pedem desculpas”; “Ele deixa o quarto bagunçado frequentemente”.
6. Busque ser empático (de verdade!)
Empatia tem relação com sentimentos e não apenas de forma intelectual. Ou seja, você pode observar as necessidade e desafios de alguém, racionalmente, sem ser empático, sem se conectar com seus sentimentos – nesse caso você está trabalhando a simpatia. Para a empatia o exercício é ouvir e experienciar o que o outro sente por dentro.
Talvez o seu funcionário tenha chegado tarde porque o trânsito estava um caos e os ônibus estavam abarrotados. Ou o seu namorado não conseguiu passar para te ver porque estava lotado de trabalho. Ou a sua mãe não conseguiu preparar a janta porque estava cansada do trabalho e preferiu descansar.
Ouça o que essas pessoas tem a dizer, sem querer responder, apenas ouça. Nesse exercício, se coloque dentro da experiência narrada. Esse exercício pode transformar sua relação, bem como a forma de enxergar os outros.
7. Trabalhe a sua paciência
É importante respeitar o tempo do outro e o seu. Não é só porque você faria algo em cinco minutos, que o outro deva fazer também.
Vamos supor que você seja o chefe na sua empresa e precise solicitar ao estagiário que busque algumas impressões na papelaria. Já partimos da premissa de que ele, por ser estagiário, com certeza deve ter outras tarefas. Assim, é importante deixar claro o tempo necessário para cumprir essa tarefa específica, assim como buscar entender de forma simpática e empática que ele tem outras responsabilidades.
Seja claro e paciente. Procure fugir da ideia de que o seu tempo é o tempo do outro.
8. Evite o vitimismo sentimental (Síndrome de Hardy)
O ego tem diversas armadilhas para o nosso bem-estar. Uma delas é se colocar como vítima sentimental – sintoma popularmente conhecido como Síndrome de Hardy, em homenagem ao personagem pessimista do desenho Lippy e Hardy. Para a CNV, assim como diversas filosofias orientais, como o budismo, nós somos os únicos responsáveis pelos nossos sentimentos. Independente do fator externo.
Um exemplo. Vamos supor que você é o estagiário citado no item acima; ao encontrar um colega você reclama que suas ideias vão na contramão das do seu chefe: “Ele pega muito no meu pé, dei azar nesse emprego”. Já em outro cenário, caso assuma a rédea dos sentimentos, o discurso mudaria para: “Tenho muito trabalho para fazer e não dou conta. Isso me deixa irritado, pois minha necessidade de organização e respeito está em conflito com minha necessidade financeira e profissional”.
Veja que no segundo exemplo o problema continua. Você está sendo muito cobrado, isso é um fato observado. O que difere é nossa relação com o sentimento. Ao analisar assim percebemos que essa cobrança irrita pois fere a necessidade de respeito e organização, por exemplo. Com isso, podemos traçar estratégias mais eficientes ao invés de apenas apontar dedos.
Uma boa saída nesse caso seria conversar com o chefe, explicar seus sentimentos e necessidades e fazer uma proposta (exemplo: “Podemos combinar prazos e prioridades para os serviços?”). Apesar da possível negativa, só o fato de criar esse canal de comunicação honesto pode te ajudar em outros momentos desafiadores. Importante destacar que ao dizer vítimas, falamos apenas sobre a questão sentimental, foco da CNV.
9. Generosidade é a alma do negócio
Para a CNV, a generosidade, o dar naturalmente (sem interesses), é o estado natural do ser-humano. Vale dizer que “dar” pode ser “dar o seu tempo” ou “dar seus ouvidos”, e não bens materiais. Por isso, ceder o lugar do “eu” para o “nós”, torna as relações afetivas e pessoais muito mais fáceis.
Você está sentado no sofá enquanto seu marido coloca a mesa para a janta. Seu cunhado ajuda a colocar os pratos, mas ficam faltando os talheres, copos e guardanapos. Já sabe, né? Quando de coração, a proatividade é um ato de generosidade.
10. Peça sem exigir
É importante escolher as expressões certas ao pedirmos algo. Esse item vai de encontro ao item 5, muitas vezes não percebemos a violência em nosso discurso. Depois dessa lista, veja o passo a passo para transformá-lo.
Um exemplo desse caso é quando encontramos a casa toda bagunçada. Ao invés de dizer: “Não quero que você faça bagunça, arrume agora!” que soa bastante agressivo, opte pelo: “Percebo que as coisas estão fora do lugar e isso realmente me deixa incomodado, pois tenho necessidade de harmonia. Como você poderia colaborar para nossa casa ficar mais organizada agora?”.
As principais características da Comunicação Não-Violenta
Trabalhada em cima da empatia, a Comunicação Não-Violenta nos ajuda a nos colocarmos no lugar uns dos outros, gerando maior compreensão sobre algo. E nesse trabalho empático, passamos a ser mais observadores e perceptíveis, tendo a sensibilidade para olhar e identificar sentimentos e necessidades, e iniciar a conversa de forma clara e específica.
Quando colocamos essas ações no nosso dia a dia, aprendemos a identificar o ponto característico da conversa, o seu foco e as necessidades – nossas ou da outra pessoa. São elas que de fato nos conectam e criam características comuns a todos nós.
Assim, ao invés de julgarmos uma pessoa do “porquê ela fez isso ou falou aquilo”, procuramos identificar quais são as necessidades delas que não estão sendo atendidas e podem ser a possível causa desse ato/falo.
É por isso que a Comunicação Não-Violenta promove um diálogo novo, onde as duas partes envolvidas consigam se expressar sem ofender e ser ofendido, e aprendem olhar o interlocutor da forma que gostaria de ser visto.
“O objetivo é que possamos gerar uma comunicação com mais amor, respeito, compreensão, gratidão, com mais compaixão, bem diferente da comunicação que nos foi ensinada, cheia de acusações, julgamentos, culpas e discussões”, explica Ana Garcez, especialista emocional.
E como é a CNV na prática?
Quando praticamos a Comunicação Não-Violenta, passamos a expressar o que estamos sentindo, e a sermos honestos com nós mesmos e com os outros quanto a isso. Assim, sem julgamentos, sem avaliações e sem colocar algo como “certo” ou “errado”, passamos simplesmente a dizer o que sentimos, o que gostamos e o que não gostamos.
Como todo processo envolve amadurecimento e tempo, a CNV deve ser um trabalho diário e contínuo, onde será preciso nos policiarmos sobre a nossa forma de nos comunicarmos e de nos expressarmos.
Ao nos livrarmos de críticas, julgamentos, culpas, insultos, depreciações, comparações, diagnósticos e rotulações, passamos a colocar mais compaixão, empatia, sentimentos e compreensão em nossas conversas.
“A melhor forma de exercer a Comunicação Não-Violenta, é estudá-la mais na prática do cotidiano, do que propriamente dito apenas ler a fórmula mágica, pois ela não existe. Vai requerer tempo e vontade de mudança”, afirma Ana.
Por ser uma abordagem diferente da que estamos acostumados, a Comunicação Não-Violenta não é um processo que se aprende rapidamente. Respeite o seu tempo e não deixe de praticá-la.
Uma forma de começar, é “abaixar a guarda” durante as conversas, principalmente com as pessoas mais próximas, como pais, irmãos e companheiros(as). Nesta conexão inicial, tente entender as necessidades do outro e as necessidades particulares neste diálogo.
Assim, passamos a nos comunicar de forma adequada, voltada para a prática do bem. Quando aprendemos a prestar atenção nas reações e emoções do ouvinte, abandonamos a mania de querer imputar ao outro a nossa percepção do assunto.
Segundo o próprio Rosenberg, são quatro os componentes que favorecem a relação com outro para a criação de um espaço receptivo. São elas:
1. Observação
Aqui, não deve haver julgamentos, nem emissão de ponto de vista. É apenas ser ouvinte e observador para poder se expressar empática e honestamente, relatando o fato sem exagerar ou generalizar.
2. Sentimentos
Você deve relatar o que sente em relação ao que foi observado; identifica e descreve os reais sentimentos em relação ao fato. Apresentando as emoções que nos conectam com o outro, ajudamos a resolver o conflito. A mensagem pode ser recebida de 4 formas, pelo menos:
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Culpar a nós mesmos: culpar-se pelos acontecimentos e atribuir o fracasso a si mesmo. Claramente, não há consciência dos sentimentos e acontecimentos.
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Culpar os outros: a forma mais comum da culpa é atribuir as suas responsabilidades a outra pessoa, procurando justificar no outro o motivo do seu fracasso. Há falta de identificação pessoal e da realidade.
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Escutar os próprios sentimentos e necessidades: há a percepção consciente de si e dos fatos.
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Escutar os sentimentos e as necessidades do outro: torna-se possível se colocar no lugar do outro, exercitando a empatia.
A lista de sentimentos compilada, revisada pelo Instituto CNV Brasil, de distintos autores da CNV, incluindo Marshall Rosenberg, você encontra clicando aqui. É possível que você conheça um sentimento que não está nesta lista. Fique à vontade para acrescentar. A reflexão serve para que tenha clareza se esse é mesmo um sentimento ou pseudo-sentimento: “Precisaria de outra pessoa ou coisa para que eu me sentisse assim?”
3. Necessidades
Depois de observar e analizar os sentimentos envolvidos, você identifica quais necessidades não estão sendo atendidas para gerar esse distúrbio. As necessidades universais são: paz, respeito, alimentação, afeto, liberdade, honestidade, conforto, confiança, e por aí vai. Ao descobrir quais necessidades, podemos ir para o próximo passo.
A lista de necessidades compilada, revisada pelo Instituto CNV Brasil, de distintos autores da CNV, incluindo Marshall Rosenberg, você encontra clicando aqui. Pode ser que você reconheça uma necessidade que não está nesta lista. Vale sempre buscar, ir à fundo e ir se perguntando: “Ao conseguir isso, o que estarei ganhando?” Desta forma você vai encontrar a necessidade central do momento.
4. Pedido
Agora a cereja do bolo. Depois de observar sem julgar, experienciar seus sentimentos e analisar quais necessidades estão ou não sendo atendidas, é interessante fazer um pedido relacionado. Ele deve ser bastante claro, sem a necessidade de citar o que lhe desagrada.
Exemplo, ao invés de dizer: “Seu sem noção, você só sabe me irritar, abaixa essa música terrível!”; Poderia dizer: “Observei que o som está alto para o horário. Isso me aborrece profundamente pois minha necessidade de harmonia não está sendo respeitada. Você poderia abaixar o volume em 50%, por favor?”.
Evidentemente que o pedido poderia ser negado, nesse caso, se coloque de forma empática no lugar do outro e tente entender o motivo dessa pessoa ter contrariado o pedido. Como exemplo, poderia questionar: “Vejo que negou meu pedido. Você está irritado porque sua necessidade de liberdade não está sendo atendida?”. O pedido pode variar:“Você tem alguma ideia como podemos resolver essa questão para que ambas as necessidades sejam atendidas?” ou “Proponho usar fones de ouvido, o que você acha?”
Todo o processo de CNV deve ser trabalhado na empatia em relação as necessidades e sentimentos de todos. Todo mundo deve ser compreendido e atendido de maneira equilibrada.